As moças de Santo Amaro
A Vila era um pequeno povoado com casas seculares em torno da praça, onde se destaca a bela igreja com os seus dois altos campanários.
Na tarde daquele dia, em três caíques – sendo que o do meio puxava por corda os outros dois – subimos o Jacuí. À tardinha, nas barrancas do velho rio montamos acampamento. E foi assado churrasco; e houve cantoria e declamação ao som de uma gaita desafinada, numa roda em torno do fogo que, amiúde, era alimentado com lenha seca.
Depois, no breu da noite, o pessoal foi à caça. Menos eu que, prudente, escolhi ficar no acampamento. Naquela altura eu estava arrependido da empreitada em que havia me metido. Os caíques eram pequenos, incômodos, perigosos e seguiam abarrotados de equipamento e víveres. Não bastasse isso, as cabanas não passavam de uma velha e surrada lona, cuja serventia era somente para formar um teto. Dormi naquela noite numa incômoda cama de gaita. Não recordo, mas suponho hoje que fui, implacavelmente, atacado pelos mosquitos.
No dia seguinte soube que a caçada havia sido um rotundo fracasso; nenhum jacaré ou capivara fora capturado pelos ineptos caçadores. E vibrei silenciosamente quando, logo de manhã, ao reiniciar a viagem, o motor do barco fundiu e fomos obrigados, a remo, voltar à Vila.
Ao chegar a Santo Amaro na manhã daquele domingo, ainda que sob os protestos e apelos pungentes para que eu ficasse, voltei de trem para Porto Alegre. Havia descoberto ali que não possuía a menor disposição para “safári”…
Conta a história que a pequena Vila foi fundada na metade do Século XVII. Nos anos setenta serviu de cenário do filme “Um Certo Capitão Rodrigo”. Por conta das filmagens, durante meses foi notícia nos jornais, e trazia-me à lembrança a minha passagem por Santo Amaro do Sul.
No fim do ano de 78 houve uma tragédia: perto da eclusa de Santo Amaro, por onde eu havia navegado doze anos antes, o deputado Lauro Rodrigues, ao buscar bravamente salvar um amigo que caíra na água, com ele foi engolido pelo traiçoeiro Jacuí. Mais tarde soube, consternado, que também o meu amigo Moisés havia morrido.
Longos anos se passaram, até que nestes últimos meses, empurrado pelo turbilhão da vida sou obrigado semanalmente a passar pela estrada que dá acesso a Santo Amaro. Por vezes tive vontade de prolongar um pouco a viagem e entrar no povoado. Mas a pressa me fazia mudar de ideia. Até que, dias desses, não me contive e fui rever o vilarejo. Voltei no tempo 40 anos. E tudo parecia estar exatamente como a minha memória projetava: a praça, o casario açoriano, a igreja, a ribanceira que dá acesso à praia do rio Jacuí.
O lugar continua deserto. Poucas pessoas a andar pelas ruas. Desci até perto do rio onde há uma lanchonete. A dona, atenciosa, contou-me da vida pacata e monótona que se vive no lugar; falou da proibição de mexer nas casas “nem consertar se pode – disse ela –, pois estão tombadas pelo patrimônio histórico”. E em tom de lamúria admitiu: “já faz algum tempo que não há padre na igreja. As moças daqui querem casar, mas não há quem celebre a cerimônia! Tem coisa de dois anos que a igreja está sem padre”. “Quem sabe – trocei – a Dilma não importa alguém de Cuba para resolver o problema da Paróquia?”. Ela sorriu entendendo a caçoada, e eu me fui com uma profunda comiseração daquela gente esquecida e das moças casadouras de Santo Amaro.