Breno, que não era o gaulês

Da Série A Praça Júlio de Castilhos e a Turma do Murinho

Breno Allem Wiethölter foi um dos personagens permanentes que circularam pela Praça Júlio de Castilhos nos anos sessenta/setenta. Crítico sagaz do que estava à sua volta, irreverente, não poupava com seu sarcasmo nem mesmo os amigos. Possuía a capacidade de imitar com perfeição o comportamento, entonação da voz, atitudes e os gestos das pessoas, inclusive das namoradas dos parceiros.

Riso fácil, por vezes chegava às lágrimas ante a graça convulsiva. Era o tormento dos que com ele conviviam. Deliciava-se com os incautos através das zombarias que criava. Não morava no entorno da Praça da Júlio, mas na Rua Tobias da Silva, no bairro Moinhos de Vento. Alto, forte, descendente de sírios e alemães, apanhava de forma aguda o lado risível daquelas ascendências, principalmente ao imitar, de forma perfeita, os seus sotaques.

Dizia que “O impossível não existia, mas residia nas mãos inertes dos que não tentam”. E alertava que a desgraça maior que pode acontecer ao um homem é sentir ciúme de prostituta e ser corno da amante… Não sabia o que era mais aborrecido: se um ex-comunista ou um ex-fumante…

Excelente cozinheiro, gostava de receber os amigos para deliciosas garfadas, demonstrando talento de chef. Aos dezoito anos, cursava a faculdade de Direito, que não concluiu por culpa do seu temperamento buliçoso.

Na Rua Otávio Rocha, na frente do antigo prédio das Lojas Mesbla havia uma senhora ambulante que vendia lixas para os pés. O anúncio do produto era monocórdio e repetitivo:

— Lixas, marinheiro, para pés e unhas… Lixas, marinheiro, para pés e unhas…

Certa ocasião, em companhia do Zé Pinto, em tom sério, Breno Wiethölter provocou indagando a vendedora:

— Essa lixa tira calo da ”perseguida”?

A mulher ficou furiosa, passou a ameaçar o Breno, que surpreso não esperava a reação da vendedora:

— Ordinário, sem-vergonha, não respeita os meus cabelos brancos…

Breno, atônito, não sabia como se livrar da situação, principalmente porque os gritos da mulher atraiam a atenção dos passantes, deixando-o — imagine-se! — envergonhado. Passou a colocar a mão no bolso interno do casaco, fazendo menção que iria sacar algum documento, e advertia, na tentativa de intimidar a mulher:
— Olha que eu sou da polícia…

Ao invés de acalmá-la, intensificava a ira da vendedora.

— Me prende, que eu quero ver! Prende, prende!

Breno conseguiu se safar da mulher na altura das Lojas Escosteguy, enquanto o Zé Pinto, à distância, hilário, a tudo assistia.

Mas nem o susto acalmaria Breno Wiethölter. Na frente das Casas Carvalho havia um cego que, para ganhar a vida, se sentava num banquinho a tocar sua gaita. Ao seu lado, havia uma caixa de sapatos sem tampa que ele utilizava para receber as esmolas. O cego, entretanto, não podia ouvir a palavra Teixeirinha, que entrava em desatino, acusando profunda ofensa. A razão disso nunca se soube. Quando ia ao Centro da cidade, o Breno se dava ao trabalho de inventar um motivo qualquer para passar na frente do pobre homem somente para molestá-lo:

— Aí, Teixeirinha!

O ceguinho virava uma fera a chutar o ar a esmo, ora com a perna direita, ora com a esquerda, na vã tentativa de atingir a quem o ofendera. Enquanto a sanfona desabava, vociferava:

— Teixeirinha é o c… da tua mãe…

De outra feita, Breno acompanhara Zabanetta Noronha a Bento Gonçalves. Almoçaram numa churrascaria conhecida, onde foi servida uma jarra de vinho dito “da casa”. Na verdade, o vinho era péssimo, de acidez intragável, da pior cepa. Sorvido um ou dois goles, restou deixado de lado.

O Breno, antes de sair, em manobra discreta, sem que ninguém percebesse, colocou a botija de vinho por entre as pernas e, cobrindo-se com a toalha da mesa, urinou dentro da jarra. Da mesma forma discreta, devolveu a jarra à mesa.

— O pessoal da cozinha, tenho certeza, vai devolver o vinho da jarra para dentro do garrafão. Hoje ou amanhã, alguém vai beber vinho “batizado”
E, sem olhar para trás, os dois partiram para nunca mais ali voltar…

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