Colunistas

Coincidência

As nuvens pesadas, cinzentas, carregadas de chuva desapareceram .Um ceu azul desdobrava-se sobre a cidade, pincelado pelos raios do sol.Apesar da quantidade de passageiros que aguardavam à minha frente,encontrei acento na terceira fila.

Consegui acomodar-me no banco duro de fibra.Sentei-me como se carregasse todos os problemas do mundo.

Finalmente o ônibus partiu. Queria dormir.

As repetidas freadas, as vozes, o barulho ensurdecedor do tráfego não davam trégua.O motorista resmunga alguma coisa que não consegui entender.

A moça senta, ele continua a resmungar.

Não presto atenção, Meu corpo quer desmontar.Os ossos doem.O sinal abriu, buzinados.

A curva me atordoa. Duas mulheres descem, os pacotes caem. Os passageiros que viajam em pe apertam o meu ombro contra o velho, sentado junto à janela.

Observo-o. Magrinho, miúdo, olhos empapuçados, queixo fino, eriçado com farpinhas de barba branca. Rosto discreto, um desses rostos que se apagaram, gastos pelas fadigas, ou pelos revezes da vida. Meu pensamento voou. Como encontrarei meu velho pai? Há quanto tempo eu não ia visitá-lo!

Senti um aperto forte no peito, um amargo na boca seca. a culpa pesando.Não adianta.Temos que aceitar as coisas como elas acontecem.Assim é a vida.Agora ficar lamentado não adianta –pensei.

A moça desceu. Apertei a campanhia. Olhei a placa do outro lado da rua-“ASILO SANTA RITA”. Desci.

O velho levantou, gingou nos sapatos furados e desceu meio cambaleante. Olhei nos seus olhos. Fiquei surpreendido. Eram vazios, parados. Mortos como os de alguém a quem a vida não surpreende mais e se conforma.

Apertei sua mão enrugada e fria. Esboçou um sorriso, deixando à mostra as gengivas sem dentes.

Mudo com a emoção transbordando, as palavras morrendo na garganta balbuciei: ”Até breve”.

Crônica classifica no 4º Concurso Artístico Literário “Prêmio Missões”  e publicada na Antologia Prêmio Missões –Roque Gonzáles/RS -2001

Comentários

Comentários