Colunistas

Conchavo e corporativismo: doenças infantis da política putrefata

“Aliados se rebelam e PMDB estuda dar “susto” em Dilma”. Eis a manchete de todos os jornais do Brasil da sexta-feira, 12 de agosto. Aproveitando a instabilidade, a oposição começou na última quinta-feira a recolher assinaturas para uma CPI da Corrupção, cujo foco seria todos os escândalos surgidos nas últimas semanas. Enquanto os aliados param o Congresso e o PMDB ameaça dar um susto no Planalto, a presidente Dilma Rousseff escalou o vice-presidente Michel Temer e o ex-presidente Lula para tentar domar as insatisfações. Oitenta e um, mais quinhentos e treze, noves fora, o que o PMDB está mesmo é fazendo o “beicinho” da prostituta traída.

Por outro lado, somente os idólatras de Luiz Stalinácio da Silva, rechaçam a ideia de que a atual crise política tupiniquim é consequência, não apenas dos governos anteriores (o homem “daquillo” roxo, do sociólogo poliglota), sobretudo das “diatribes” do da Silva. Este, quando presidente, mostrando-se cúmplice com a “maracutaia” da corte palaciana, ministerial e tribal optou pela varredura da carniça podre para sob o tapete, jurando, ainda, com a cara mais deslavada, de que nada sabia. E Dilma – desconheço se por ingenuidade ou desespero mesmo – agora corre a pedir auxílio a quem ordenou a “execução” e, hoje, “ajuda” a carregar o caixão.

Este “cordão umbilical” que, infelizmente, ainda liga o “pai” e a “filha”, o “criador” e a “criatura”, não se rompeu. Como prelecionou o filósofo grego, Anaxágoras de Clazômenas, seu verdadeiro autor (e não Antoine-Laurent de Lavoisier, a quem equivocadamente se atribuiu a frase), “Na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma.”, comparem a história desta “relação umbilical” entre Lula/Dilma e a de D.Pedro I e seu pai, D. João VI.

Ao retornar a Lisboa em abril de 1821, o rei D. João VI deixara para trás um Brasil profundamente transformado pelas decisões que havia tomado nos seus 13 anos de permanência no Rio de Janeiro. Sua última providência antes de partir, no entanto, tinha sido desastrosa para o país, que tentava dar os primeiros passos como nação independente. O rei mandara raspar os cofres do Banco do Brasil e encaixotar às pressas o ouro, os diamantes e outras pedras preciosas estocadas no Tesouro. Por isso, ao assumir o governo na condição de príncipe regente nomeado pelo pai, D. Pedro encontrou os cofres vazios. As despesas públicas somavam 5.600 contos réis, cerca de trezentos milhões de reais em valores de hoje, o que representava mais do que o dobro da arrecadação de impostos nas províncias que reconheciam a sua autoridade. Ou seja, para cada real de receita, D. Pedro gastava dois.

Para pagar a dívida seriam necessários, portanto, dois anos de arrecadação de impostos, sem gastar mais nada, o que obviamente era impossível porque o novo país tinha tudo por fazer e estava cercado de ameaças por todos os lados. “De parte nenhuma vem nada”, queixava-se D. Pedro a D. João VI, em 17 de julho de 1821. “Todos os estabelecimentos ficaram; os que comem da nação são sem número (…), não há dinheiro (…), não sei o que hei de fazer.” O príncipe também reclamava da corrupção e dos desmandos na administração do dinheiro público. Acusava os diretores do falido Banco do Brasil de terem contribuído para quebrar a instituição. “O banco, desacreditaram-no os seus dilapidadores, que eram os mesmos que o administravam.” E concluía: “Não há maior desgraça do que esta em que me vejo, que é de desejar fazer o bem e arranjar tudo e não haver com quê.” Em outra carta, escrita uma semana mais tarde, o jovem príncipe, de apenas 22 anos, mostrava-se assustado com os desafios que a História lhe impunha.

Implorava ao pai que o dispensasse do cargo e o chamasse de volta a Portugal: “Peço a Vossa Majestade que o quanto antes me faça partir.” Três meses depois, em 21 de setembro de 1821, portanto um ano antes do Grito do Ipiranga, repetia a súplica: “Peço a Vossa Majestade, por tudo quanto há de mais sagrado, me queira dispensar deste emprego que seguramente me matará pelos contínuos e horrorosos painéis que tenho, uns já à vista, e outros muito piores para o futuro.” No esforço de comprar navios, contratar oficiais e marinheiros mercenários e manter acesa a esperança de vencer Portugal na guerra pela independência, o governo tomou duas providências.

Uma delas foi, a exemplo da metrópole, recorrer aos empréstimos internacionais. Os dois primeiros, contraídos em 1822, totalizaram 3.685.0 libras esterlinas, aproximadamente 1,2 bilhão de reais em valores de hoje, mas só três milhões de libras entraram efetivamente nos cofres nacionais. O restante foi retido pelos bancos como taxa de risco e pagamento de juros antecipados.

O novo país já nascia endividado e assim permaneceria pelos dois séculos seguintes. A segunda providência envolveu uma prática também conhecidíssima dos brasileiros até alguns anos atrás: a inflação. O Tesouro comprava folhas de cobre por quinhentos a 660 réis a libra (pouco menos de meio quilo) e cunhava moedas com valor de face de 1.280 réis, mais do que o dobro do custo original da matéria-prima. Ou seja, era dinheiro podre, sem lastro, mas ajudava o governo a pagar suas despesas e dívidas de curto prazo. D. Pedro havia aprendido a esperteza com o pai, D. João, que também recorrera à fabricação de dinheiro em 1814 ao perceber que os recursos públicos seriam insuficientes para cobrir os gastos da perdulária corte que havia cruzado o Atlântico em 1808.

Nessa época, o padrão monetário internacional eram as moedas de prata do peso espanhol, também conhecidas como silver dolar (dólar de prata). Até a chegada da corte portuguesa, uma moeda de prata valia no Brasil 750 réis portugueses. Em 1814, no entanto, D. João mandou derreter todas as moedas estocadas no Rio de Janeiro e cunhá-las novamente com valor de face de 960 réis. Ou seja, de um dia para o outro a mesma moeda passou a valer mais 28%. Com esse dinheiro milagrosamente valorizado, D. João pagou suas despesas, mas o truque foi logo percebido pelo mercado de câmbio, que rapidamente reajustou o valor da moeda para refletir a desvalorização.

Esta foi a “novela” ocorrida há quase duzentos anos. A atual (como costuma se valer a TV Globo) nada mais é do que um remake da do século XIX. Ou não é?

Comentários

Comentários