Colunistas

Confidências de uma recém-divorciada

Retoque sobre o conto Confissões de uma Viúva Moça,
de Machado de Assis.*

Há dois anos tomei uma resolução singular: mudei-me para Gramado, no auge do inverno. Esta resolução ensejou, na roda de amigas, falatórios, especulações, intrigas e boatos. Tu mesma, em todos os e-mails que me endereçaste, deste asa à tua fértil imaginação e pintaste telas dignas de um Dali, de fantásticas e assombrosas imagens, porém absurdamente equivocadas.

Em teus e-mails escreveste contos tal aluna de oficina literária: uma história aparente – tua afeição de amiga – e a outra oculta – a curiosidade de mulher, para as quais não me dei ao trabalho de respondê-los.

Entendi não ser oportuno fazer-te ouvinte ou, no caso, leitora do inventário das razões pelas quais, após defenestrar o “falecido”, optei pelo retiro na serra às atrações da vida mundana e cultural que a nossa Capital tem bem como aos jantares e programas no Bazkaria ou no Boteco do Pé.

Esta circunstância acreditavam muitos fosse o único motivo da minha fuga, no que não estavam de todo equivocados. Deixei que assim cismassem e permaneci em Gramado.

Logo no verão seguinte aqui vieste com o teu “namorido”, disposta a desvendar o segredo que eu insistia em não revelar. De nada valeram as ceias e noitadas regadas com saborosos fondues e generoso beaujolais francês. Permaneci sóbria, discreta e incorruptível. Desconhecias a minha firmeza e a ela te rendeste. Passaste a me chamar de “Esfinge”.

Era, de fato, Esfinge. E, tal como a lenda, acreditavas que, em respondendo ao enigma, descobririas o meu segredo e desfaria o meu encanto.

Pela tua obstinação e lealdade, te fazes merecedora de conhecer este episódio de minha vida. Vou fazê-lo através de algumas gravações – tantas quantas se fizerem necessárias – em pen drive, o qual me retornarás, logo em seguida, para a continuidade. O pen drive seguirá, a espaços de oito dias, via Sedex 10, como se contivesse capítulos de uma novela, sem os insuportáveis reclames do “plimplim”. Sei que hás de gostar e, sobretudo, de aprender a aceitar este meu ser, até então latente. O coração abre-se melhor e as ideias fluirão naturalmente, sem bloqueios. Não tenho mais me escondido, sintoma de que a paz, finalmente, voltou ao meu espírito.

Quando findar as gravações irei pessoalmente agradecer-te. Anseio por viver, o que não fiz nesses últimos dez anos. Foi um tempo em que me anulei para a vida e para o verdadeiro amor. Foi o isolamento que me ensinou a meditar sobre a ideia de meu coração enganado, da minha dignidade ofendida e trazer-me a vivência e a calma que hoje tenho.

Cresci nesse tempo. Acima de tudo, descobri-me, e o nosso Egrégio Supremo Tribunal Federal agora reconhece como núcleo familiar como qualquer outro a nossa união. Conheci uma desembargadora, uma mulher cuja imagem trago no espírito e me é parecida como tantas outras. Já não é pouco; e a lição há de servir-nos a todas, as mulheres até então inexperientes. Faço questão que mostre as gravações às nossas amigas. Serão para ti e para elas como um roteiro que se eu o tivesse antes, talvez não houvesse perdido a ilusão e aqueles tantos anos de vida. É o prefácio do que não pretenderá ser um estudo, uma tese, um conto ou romance, longe disso. Simplesmente o testemunho da verdade, um episódio contado na certeza da troca de sentimentos entre dois corações que se estimam e se merecem.
Adeus.

*O retoque, assim como o pastiche, nada mais é do que a imitação ou decalque de uma obra literária ou artística, frequentemente sem objetivos satíricos ou humorísticos, como  a paródia e a sátira. Por serem “exercícios de estilo” (o pastiche. a paródia, o plágio, o retoque, a sátira, a paráfrase, a alusão, a citação e o plágio), ficam geralmente adstritos ao “consumo interno”. Faço, agora, exceção.

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