A voz de Geraldo José de Almeida explodiu junto com o foguetório ao narrar o quarto gol do Brasil na Copa de 70. A Praça Júlio, naquele final de domingo, 21 de junho, transformou-se numa passarela para o carnaval. Pessoas, das janelas dos prédios acenavam às que confraternizavam nas calçadas.

Nos anos de chumbo somente a Seleção unia a Nação; o orgulho provinha do futebol, não do governo. Bandeiras do Brasil, do Grêmio e do Internacional, eram estendidas para fora das janelas dos prédios.

Havia centenas de pessoas no entorno da Praça, fogos, abraços, carreatas, bandeiras e buzinaços ensurdecedores; a Rua 24 de Outubro mostrava-se congestionada. A turma da Júlio ali se fazia presente. Pairava no ar o cheiro úmido da chuva que caíra, misturado à pólvora dos fogos, que não paravam de espocar.

Foi nesse clima que Guto e Juliano, na esquina da Ramiro Barcelos com a Praça Júlio, saltaram para a caçamba de uma picape, atendendo ao chamado do pessoal que se encontrava no veículo. Foi então que se aperceberam: os passageiros traziam um barril de chope, cujo líquido era servido num improvisado “caneco” de chope — na verdade, uma panela de alumínio — que passava de mão em mão. E os dois penetras participaram da divisão da bebida.

O carro logo chegou na Independência. No Barriquinho, que ficava na frente do Teatro Leopoldina, a aglomeração era compacta, as pessoas estavam enlouquecidas pela vitória.

Havia dificuldades em se transitar pela Independência. Naquela época, a avenida possuía mão nos dois sentidos. Aos poucos, porém, a camioneta seguiu seu curso até chegar ao Centro. Quase no final da Avenida Borges de Medeiros, na altura do cinema Capitólio, a dupla resolveu descer e abandonar o carro.

Iniciaram o caminho de volta à Praça, agora a pé. Cambaleantes, subiram as escadas do Viaduto Otávio Rocha, cruzando sempre por populares eufóricos que comemoravam a conquista do tri-campeonato. Alcançaram a Rua Duque de Caxias; pelo menos o senso de orientação — mesmo tênue — se fazia presente. Guto mal possuía forças para repetir a frase que pronunciava desde o momento em que pularam para dentro da picape, em alusão à Azurra: “Tinha boleta no macarrone, eco?”.

Na altura da Praça do Portão foram interrompidos: não poderiam passar pelo Viaduto recém construído; havia tonéis e cavaletes impedindo o trânsito. A obra seria inaugurada dali a alguns dias. Não havia ninguém a cuidar do viaduto. Certamente, quem estivesse encarregado dessa missão havia aderido às comemorações.

— Juliano — disse Guto, enrolando a língua, intermediada por soluços — vamos passar por essa merda, senão a volta vai ser maior.

Rompendo os cavaletes, cruzaram o Viaduto. Caminharam até a sua metade. Ali pararam e se debruçaram sobre o parapeito, admirando a perspectiva da Avenida João Pessoa através de um ângulo que a cidade até então desconhecia.

— Guto — disse o Juliano. — Isso é um acontecimento histórico. Nós estamos inaugurando o Viaduto da Praça do Portão!
— Então vamos observar o protocolo e as formalidades?

— Como?

— Mijar nesta bosta, dando por inaugurada!

E urinaram no parapeito do Viaduto o chope sorvido na camioneta.

— Guto, a formalidade não foi devidamente cumprida…

— Como?

— Faltou o Hino Nacional…

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