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Deixem o morto no seu lugar

Afinal, quem verdadeiramente escreveu e ainda escreve a História? Os primeiros historiadores antigos escreveram de acordo com as tradições, e os primeiros historiadores modernos, de acordo com as crônicas. Os antigos, ao escrever conforme as tradições, seguiram a grande idéia moral de que não bastava que um homem tivesse vivido, ou mesmo que um século tivesse existido, para que fosse História, mas ainda precisaria de que tivesse legado grandes exemplos à memória dos homens.

Eis porque a História Antiga não morre jamais. Ela é o que deve ser, a representação ponderada dos grandes homens e das grandes coisas, e não, como queremos fazer no nosso tempo, o registro da vida de alguns homens, ou o processo-verbal de alguns séculos. Os historiadores modernos, ao escrever conforme as crônicas, escreveram como cientistas, ocupando-se amiúde dos fatos e raramente das conseqüências, não se curvando sobre os acontecimentos a partir do interesse moral – que seriam capazes de apresentar – mas de acordo com a curiosidade que ainda lhes restava, atendendo aos fatos de seu século. Eis a razão de a maioria das histórias começarem por sínteses cronológicas e terminam em bisbilhotice.

Há, via de conseqüência, na história tupiniquim, várias fontes, nas quais os pesquisadores têm de se debruçar, sobretudo quando de tratar de homens presumivelmente históricos: de conformidade com a crônica; no depoimento dos “amigos do rei”; nos seus detratores, no relato de seus contemporâneos, dos familiares, no desabafo da esposa traída ou nas inconfidências da amante.

O noticiário desta última terça-feira traz o conflito entre toda a comunidade de São Borja e os familiares do ex-presidente João Belchior Goulart. Aqueles têm a pretensão de trasladar os restos mortais de Jango para Brasília, onde será construído um memorial. A polêmica tende a ganhar trâmites judiciais.

Grande parte, dos gaúchos ao menos, conhece a história fria, sem emoções e destituída da avaliação psicológica do caráter de Jango pelos pesquisadores históricos. Porém, é sabido, João Goulart não era um homem que tomasse a ofensiva em meio a uma situação crítica. Com a renúncia de Jânio, ele só assumira, depois de uma crise em que o país esteve perto da guerra civil, porque aceitara uma fórmula pela qual se fabricou um humilhante regime parlamentarista cuja essência residia em permitir que ocupasse a Presidência desde que não lhe fosse entregue o poder. Sua força derivava da máquina da previdência social e das alianças com a esquerda no controle dos sindicatos. Sua biografia raquítica fazia dele um dos mais despreparados e primitivos governantes da história nacional.

Já para sua mulher, Maria Tereza Goulart – aquela que somente o “Minuano”(?) beijou -, “os prazeres de Jango estavam na trama política e em pernas, de cavalos ou de coristas. Não houve vedete do Cassino da Urca que ele não tivesse comido”.

Se entenderem que deva ser erguido (mais um???) o memorial no Planalto Central, que o façam! Mas deixem o morto em paz! Que moral terão os filhos para arrancar os restos mortais de Jango do torrão natal e da terra que o acolheu se, certamente, ouviram a vida toda, da boca de Maria Thereza, ser o pai um reles pândego e apreciador das vedetes dos teatros de rebolados?

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