Há alguns anos, no Rio de Janeiro, um contribuinte da previdência social não via seu pedido de aposentadoria chegar ao seu final. A burocracia impedia a solução de algo que era simples e corriqueiro. Cansado, resolveu telefonar para o posto onde jazia seu processo. Ao ser atendido, disse que era do Gabinete do Ministro. Prontamente, o chefe veio ao telefone e recebeu a ordem para que fosse dada atenção especial ao processo número tal e, o quanto antes, fosse despachado. No dia seguinte, o trocista estava aposentado. Esse fato foi noticiado amplamente, e serviu de motivo de chacota, pois expôs a nu as distorções da nossa burocracia.

Pois, o seu João – como o protagonista da pilhéria – é aposentado. Jovem, foi obrigado a sobreviver vendendo sua força de trabalho. O tempo passou e, com a idade, veio a mereceida aposentadoria, não sem antes enfrentar filas, reunião de papeis e certidões, tudo para comprovar que, realmente, disponha de tempo para vestir o pijama.

O que dá sustento ao seu João hoje é a quantia que vem da jubilação, que passou a sofrer, repentinamente, um desconto sem que houvesse qualquer motivo. Até que nesta semana – dizem os jornais – seu João perdeu a paciência e, vendo que não lhe davam uma solução, acabou por descompor a supervisora do posto do INSS, da Vila do IAPI, em P. Alegre. Completa a notícia que ocorreu discussão e gritaria, que somente foi controlada com a chegada da Polícia Federal, e a prisão de seu João, que saiu algemado rumo ao distrito e indiciado por desacato.

Seu João, nós somos regidos por códigos e leis que tornam as nossas vidas muitas vezes enredadas; há que se andar reto e preciso (esses aborrecimentos, evidentemente, não valem para quem governa e legisla, tampouco para os engravatados donos de bancos e os ricos empreiteiros). Num desses códigos, seu João, está escrito que desacatar funcionário público investido na sua laboriosa e digna função é crime. E a supervisora do posto do IAPI – com quem o senhor esteve e disse umas verdades – é uma funcionária pública, o que resultou em todo o rebuliço que os jornais estamparam. Engraçado, seu João, que os mesmos códigos não prevêem o crime de desrespeito ao cidadão. Diante da autoridade de balcão, não temos direito a nada, não valemos nada, não somos ninguém.

Desacato, na verdade, se a gente bem analisar, é o que fizeram com o senhor pela vida afora. Desacato é terem sugado seu trabalho na faina dos anos. Desacato é a minguada aposentadoria que lhe pagam, que se corrói com o tempo pela mágica cabalística a cada reajuste. Desacato é o desleixo do funcionário que, apertando um botão do computador, passou a descontar da sua aposentadoria, arbitrariamente, o dobro do que deveria. Desacato é a supervisora do posto do INSS, que está lá para servir ao senhor, e não lhe deu a atenção que o senhor merecia. Desacato é a previdência arrecadar mais do que gasta, e buscar nos convencer que padece de falta de dinheiro.

Seu João eu não sei o que o senhor disse à supervisora, mas o dia-a-dia nos ensina como é difícil tratar junto ao balcão das repartições. Mas bem baixinho lhe digo, caso ocorra uma próxima vez: não se perturbe, mantenha a calma, pois é só telefonar para o posto e dizer que é do Gabinete do Ministro e pedir para falar com a supervisora. O burocrata torna-se pusilânime ao ouvir a palavra “gabinete”.

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