Colunistas

Desculpa qualquer coisa

Até o final dos anos sessenta do Século XX, o grande sonho de toda a menina-moça não era, ainda, conhecer a Disney. O Eldorado dessas garotinhas em flor era a grande festa de seus quinze anos.

Os planejamentos praticamente começavam tão logo ela completasse os quatorze anos. Doze meses antes a angústia já a dominava e exigiam dos pais os preparativos para a grande noite, digna de um conto de fadas.

As famílias abonadas preocupavam-se em dar retoques aqui ou ali nos salões dos palacetes da Barão do Santo Ângelo, e Coronel Bordini, no Bairro Moinhos de Vento; na Dom Pedro II, em Higienópolis; na Carlos Gomes, na Boa Vista, ou, por entenderem menos estafante, repassavam a responsabilidade aos ecônomos do Country Club ou da Associação Leopoldina Juvenil.

A mãe e a jovem debutante dispunham de tardes inteiras, durantes vários meses para visitarem os mais renomados ateliers da grande moda gaúcha ou recorrerem até mesmo – a fortuna familiar ensejava tais voos –, a Denner e Clodovil, os expoentes, à época, da alta costura brasileira. Depois, os detalhes da decoração, dos arranjos florais e do Buffet, via de regra, eram encargos da orgulhosa mamãe. Ao abastado pai, apenas dois compromissos: a compra do anel de diamante ou na Casa Masson ou na Joalheria Scarpini, e a assinatura dos cheques.

A classe média, para não frustrar os sonhos juvenis da sua menina, buscava, não sem algum sacrifício, os salões do Grêmio Náutico União, da Sogipa e outros de estrela de menor brilho. Havia sempre uma tia, moradora do subúrbio, exímia costureira. Pronto! O longuinho da aniversariante estava garantido. O Buffet e os arranjos, o pai combinava com o clube em parcelas que não lhe salgassem o orçamento.

E as demais? Ou nada faziam ou se contentavam – felizes, por que não? – com a alegre reuniãozinha dançante, com direito a valsa e bolo vivo, na sala da TV, de onde eram retirados os móveis, restando apenas a grande eletrola ou o então moderno toca-discos. “Três em Um”. E, no fim destas, sempre se ouvia a constrangida frase do pai que suara para encomendar o bolo, alguns brigadeiros, o engradado de cerveja, refrigerantes e um dourado Run Merino para os gostos mais exigentes: “Desculpa qualquer coisa!”.

Desculpar o quê daquele pai trabalhador se, na simplicidade e na disponibilidade que seus ganhos permitiam, ofertou o que havia de melhor em si, recebendo os convidados e presenteando a filha com o mimo indelével: a sua festa de quinze anos? Nada há a ser desculpado. Aquela família deu tudo de si para a festa. Se a cerveja esquentou e o gelo da cuba-libre derreteu é porque havia muito a ser oferecido.

Acabei de ler no noticiário que, dentre as tantas obras em irresponsável atraso, a ampliação do terminal de passageiros do Aeroporto Salgado Filho não ficará pronto até a Copa. Ah, essa famigerada e maldita Copa!

Eu e você, leitor, que também é um digno e honrado trabalhador, que suamos a camisa, comemos o pão que o diabo amassou para darmos à nossa família o teto, a mesa, a educação, os valores da ética e a utópica garantia de segurança nas ruas, seremos pirateados, usurpados pelos (anterior e atual) “ecônomos do clube” e pelos “fornecedores do Buffet” que estão nos cobrando o preço do aluguel do Salão Imperial do Copacabana Palace e do cardápio onde despontam o caviar oriundo das águas do Mar Cáspio, Mini Vol-au-Vents de Cogumelos ou Magret de Pato com Risoto de Laranja, acompanhados por generoso Château Lafite Rothschild e, após,  licor D´Amalfi Limoncello Supreme que somente poderia ser degustado ante as aromáticas fumaças de um legítimo Monte Cristo quando, em verdade, servirão aos convidados da festa da nossa menina um sanduíche de mortadela com uma branquinha pura.

“Ecônomos” e “fornecedores”, estes sim, têm mais do que o dever moral de dizer: “Desculpa qualquer coisa!”.

Comentários

Comentários