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Dessalinização da água – O futuro – Por Jayme José de Oliveira

Um problema que aflige a humanidade e causa preocupações quanto à qualidade de vida no futuro: o abastecimento de agua potável, não só para o consumo, mas, pensando na agricultura e outros usos, está sendo solucionado com o aperfeiçoamento de técnicas de dessalinização da água do mar. Israel já a utiliza com sucesso e exporta para o mundo.

Até recentemente ameaçado pela seca, Israel enfrenta agora a perspectiva de ter incrível excesso de água, graças à sua inovação tecnológica.

Isso também pode representar uma esperança para a crise da água que afeta os seus vizinhos.

VISTA AÉREA DA NOVA USINA DE DESSALINIZAÇÃO EM SOREK, SUL DE TEL-AVIV

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A cerca de 15 quilômetros ao sul de Tel-Aviv estou de pé em uma passagem entre dois tanques de concreto do tamanho de campos de futebol, assisto a água entrando a partir de um tubo enorme emergindo da areia. Étão grande que eu poderia andar nele. É preenchido com água do Mar Mediterrâneo bombeada de uma saída localizada a um quilômetro e meio da costa.

“Isso é o que é uma bomba!” Grita Edo Bar-Zeev acima do barulho dos motores, sorrindo com nosso espanto indisfarçável. Os depósitos contém areia com vários metros de altura através do qual a água do mar é filtrada, antes de atingir um enorme hangar de metal onde é convertida em água potável, suficiente para um milhão e meio de pessoas.

Estamos na nova usina de dessalinização Sorek, a maior instalação de osmose reversa no mundo e vendo a salvação de Israel. Alguns anos atrás, no auge de sua pior seca em pelo menos nove séculos, Israel estava ficando sem água. Agora têm excedentes. Esta reviravolta foi conseguida através de campanhas nacionais para conservar e reutilizar recursos hídricos escassos no país, mas o maior impacto veio de uma nova série de usinas de dessalinização.

Bar-Zeev, que recentemente se juntou ao Instituto Zuckerberg (criado por alguns dos empreendedores mais inspirados da nossa geração, como Steve Jobs, Bill Gates e Mark Zuckerberg)investiga os problemas da escassez de água. Depois de terminar seu doutorado na Universidade de Yale tornou-se um especialista em “biofouling”, estuda o calcanhar de Aquiles da dessalinização, uma das razões para aqueles que sempre a tinham considerado como última alternativa. A dessalinização opera passando a água salgadapor membranas contendo poros microscópicos, enquanto a água passa atravésas moléculas de sal, maiores, ficam retidas, mas micro-organismos marinhos se colonizam rapidamente e bloqueiam os poros. O controle requer limpeza periódica e utilização de produtos químicos intensivos, o que é caro.

Mas Bar-Zeev e seus colegas desenvolveram um sistema livre de produtos químicos usando rocha de lava porosa, que capta os micro-organismos antes que eles atinjam as membranas. Este é apenas um dos muitos avanços na tecnologia de membrana que fizeram a dessalinização muito mais eficiente. Israel agora utiliza esta água para 55% de seu uso doméstico e tem ajudado a transformar um dos países mais secos do mundo no mais improvável dos gigantes de água.

Motivados pela necessidade Israel está aprendendo a “espremer” mais cada gota de água que qualquer outro país e muito da aprendizagemocorre no Instituto Zuckerberg, onde os pesquisadores são pioneiros em novas técnicas de irrigação por gotejamento. Eles têmdesenvolvido poços  para aldeias africanas e digestores biológicos que podem reduzir pela metade o consumo de água na maioria dos lares.

A missão original do instituto era melhorar a vida no deserto Negev e as lições aprendidas são cada vez mais aplicáveis a todo o Crescente Fértil. “O Oriente Médio está secando”, diz OsnatGillor, professor do Instituto de Zuckerberg, que estuda o uso de águas residuais para o cultivo. “O único país que não está sofrendo um estresse hídrico agudo é Israel.” O estresse de água tem sido um fator importante para exacerbar o tumulto que está conturbando o Oriente Médio. As soluções israelenses podem ajudar seus vizinhos e agregar os antigos inimigos numa causa comum.

Bar-Zeev reconhece que a água provavelmente será uma fonte de conflito no Oriente Médio no futuro. “Mas eu acredito que pode ser uma ponte de união através de projetos conjuntos de dessalinização.”

Tal como nas outras instalações de osmose inversa, um processo de pré-filtragem remove os resíduos sólidos antes que a água entre em uma série de filtros menores, que removem a maior parte do sal.Depois de passar através de outros filtros que removem o boro, a água passa através de pedra calcária que adiciona minerais. É, então, está apta para se juntar ao aqueduto.

Em 2.008, Israel estava à beira de uma catástrofe. A seca em uma década havia devastado o Crescente Fértil e a principal fonte de água doce no país, o Mar da Galileia (Lago Kinneret), havia caído a alguns centímetros da “linha negra”, em que a infiltração de sais inunda e destrói as colheitas, muitos agricultores perderam suas safras anuais.

Na Síria foi muito pior. Como a seca intensificou e o lençol freático caiu, os agricultores sírios perfuraram poços de 100, 200 e até 500 metros. Eventualmente os poços secaram e mais de um milhão de agricultores juntaram-se aos marginais dos subúrbios de Aleppo, Homs, Damasco e outras cidades, numa tentativa para encontrar trabalho. “O rápido crescimento da periferia urbana da Síria, caracterizado por assentamentos ilegais, superlotação, falta de infraestrutura, desemprego e crime, negligenciada pelo governo de Assad, tornou-se o núcleo de um desconforto crescente”.

Histórias semelhantes ocorrem em todo o Oriente Médio onde a seca e o colapso da agricultura criaram uma geração perdida, que não tem perspectivas futuras e ferve de ressentimento. Irã, Iraque e Jordânia enfrentam a falta de água que estimula toda a região para ações desesperadas.

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A irrigação por gotejamento, desenvolvida há várias décadas em Israel, é amplamente utilizada na agricultura. Ela pode ser muito simples, como nesta foto, ou altamente sofisticada, informatizada, em estufas.

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INSTALAÇÃO DE DESSALINIZAÇÃO DE HADERACIDADE LOCALIZADA ENTRE TEL- AVIV E HAIFA

Surpreendentemente, Israel agora tem mais água do que precisa. A mudança começou em 2.007 quando foram instalados em todo o país chuveiros e banheiros de baixo consumo. As autoridades construíram sistemas inovadores de tratamento que capturam 86% do esgoto para uso na irrigação.

Israel requer 1,9 bilhão de m3 de água potável por ano e tem apenas 1,4 bilhão de fontes naturais disponíveis. Este déficit de 500 milhões de m3 foi o motivo para que o Mar da Galileia estivesse com seu nível baixando e o país prestes a perder suas fazendas.

Então veio a nova era de dessalinização. A planta Ashkelon começou a produzir 127 milhões de m3 em 2005; Hadera , 140 milhões de m3 em 2009 e agora Sorek adiciona 150 milhões de m3. Ao todo, usinas de dessalinização de Israel podem fornecer cerca de 600 milhões de m3 por ano, e mais estão a caminho.

O Mar da Galileia agora tem mais água, fazendas israelenses prosperam e o país enfrenta uma situação inesperada: o que fazer com o excesso de água? “Se não tivéssemos construído os filtros de dessalinização de Sorek, estaríamos sentados em nossas casas reclamando que não temos água”, diz Rafael Semiat, membro do Israel Dessalinização Society e professor da Technion.Agora não somos mais dependentesda chuva para uso doméstico, isso vai dar oportunidade para os aquíferos se recuperarem, o que ajudou a tornar um dos países mais secos do mundo no mais improvável dos gigantes de água.

DIPLOMACIA DA ÁGUA

Em Sorek 50.000 membranas estão contidas em cilindros verticais brancos, cada um com mais de um metro de altura e 40 centímetros de diâmetro, emitindo um zumbido como motores a jato. O dispositivo inteiro parece uma nave espacial latejante, prestes a decolar. Os cilindros contêm folhas de plástico, membranas enroladas em torno de um tubo central. As membranas são perfuradas com poros de menos do que um centésimo de milímetro, a água entra nos cilindros com uma pressão de 70 atmosferas e passa através das membranas, enquanto a solução salina recua.

Dessalinização costumava ser um consumidor de energia caro, mas as tecnologias avançadas utilizadas em Sorek mudaram as regras. A água produzida pelos custos de dessalinização é apenas um terço do que na década de 1.990, Sorek pode produzir mil litros de água potável para 58 centavos.

Os consumidores israelenses pagam US$ 30 por mês para a água, similar à da maioria das cidades americanas, muito menos do que em Las Vegas (US$ 47) ou Los Angeles (US$ 58).

A Associação Internacional de Dessalinização diz que 300 milhões de pessoas em todo o mundo recebem água por dessalinização e esse número está aumentando rapidamente. IDE Technologies, a empresa israelita que construiu as instalações de Ashkelon, Hadera e Sorek, completou recentemente uma em Carslbad, sul da Califórnia, muito semelhante à dos seus homólogos israelenses e tem muitas outras projetadas. Globalmente Sorek abre seis estações de dessalinização por ano. A era da dessalinização chegou.

O que mais excita Bar-Zeev é a oportunidade de fazer a “diplomacia da água”. Israel fornece água para a Margem Ocidental, estabelecida com os acordos de Oslo II, em 1.995, mas os palestinos ainda recebem muito menos do queprecisam.

A água tem sido envolvida em processos de paz enquanto outras negociações estão paralisadas, mas agora, como a quantidade disponível cresce, muitos observadores veem uma oportunidade de despolitizar. Bar-Zeev tem planos ambiciosos para uma conferência chamada “água não tem fronteiras” a ser realizada em 2.018 e reunir especialistas do Egito, Turquia, Jordânia, Israel, a Cisjordânia e Gaza.

AS CINCO USINAS DE DESSALINIZAÇÃO DE ISRAEL (FONTE: BRIDGESFORPEACE.COM)

a4Ainda mais ambicioso é o projeto de US$ 900 milhões a partir de um canal entre o Mar Vermelho e o Mar Morto, um projeto conjunto entre Israel e Jordânia para construir uma usina de dessalinização no Mar Vermelho, onde eles compartilham uma fronteira e distribuir a água entre israelenses, jordanianos e palestinos.

A salmoura produzida na fábrica será bombeada para 150 quilômetros ao norte através da Jordânia. Para repor a água perdida do Mar Morto, cujo nível está caindo um metro a cada ano desde a década de 1.960, quando os dois países começaram a desviar o único rio que o alimenta. Em 2.020, esses antigos inimigos estarão bebendo a mesma torneira.

Jayme José de Oliveira
cdjaymejo@gmail.com
Cirurgião-dentista aposentado

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