E eram os tempos dos ” IAPÊS” – Sérgio Agra

E ERAM OS TEMPOS DOS “IAPÊS”

Eu contava quatro anos de idade. Fazíamos meu pai e eu uma de nossas inúmeras incursões ao hoje nominado Centro Histórico de Porto Alegre (será que na década de cinquenta o Centro de Porto Alegre não tinha sua História?).

Seguíamos pela Avenida Borges de Medeiros em direção à Rua da Praia — que os iconoclastas fizeram questão de oficializar como rua dos andradas —, mais precisamente sobre as calçadas lustrosas do recém-inaugurado Edifício Sulacap.

Não resisti ao “chamado” dos brilhantes quadriláteros de louça daquela calçada e decidi transformá-la num ringue de patinação. Soltei minha mão da de meu pai e…um,… dois,… três,… quatro!… estatele-me de encontro àqueles ladrilhos agora tingidos de vermelho ante o profundo corte do meu queixo.

Meu pai não pensou duas vezes, ergue-me em seu colo e iniciamos o caminho de volta, rumo, agora, às escadarias do Viaduto Otávio Rocha. Ali se situava, à direita de quem sobe, o prédio onde o IAPB (Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários se estabelecera. Ali, sem qualquer agendamento, protocolo cadastral ou fila de espera, o “Doutor” Leandro, um casmurro, porém exímio enfermeiro suturou com sete pontos o queixo machucado.

Por que essas reminiscências? Acaso esta manhã acordei com dores nas mandíbulas que me fizessem lembrar o antigo trauma? Não! Fora a doída saudade dos IAP’s — Institutos de Aposentadoria e Pensões: o IAPB (bancários); o IAPI (industriários); o IAPC (comerciários), o IAPFERGS (ferroviários do Estado do Rio Grande do Sul) e alguns outros que não me socorre agora a memória.

No Brasil o seguro social surgiu graças à iniciativa dos trabalhadores. Nas primeiras décadas do século XX, empregados de uma mesma empresa, sem a participação do poder público, instituíam fundos de auxílio mútuo, nos quais também o empregador colaborava, de forma a garantirem meios de subsistência quando não fosse possível se manterem no trabalho por motivos de doença ou velhice.

A assunção do Estado na gerência do sistema previdenciário brasileiro foi lenta e gradual. O primeiro ato governamental de intervenção nesta área ocorreu em 1923, com a promulgação da Lei Eloy Chaves, determinando a criação de uma Caixa de Aposentadorias e Pensões — CAP, para os trabalhadores de ferrovias. Entretanto, eram sociedades civis em que a ingerência do setor público era mínima, cabendo sua administração a um colegiado composto de empregados e empregadores.

Com as transformações econômicas da década de 30 toma corpo um processo de crescimento industrial intenso, em que é marcante a presença das classes assalariadas urbanas reivindicando melhores condições de vida, o que levou o Estado a iniciar um processo de interferência nas relações trabalhistas, de forma a conciliar conflitos entre capital e trabalho. Nesse contexto, o poder público expandiu sua interferência como responsável pela proteção social dos trabalhadores, determinando que as CAPs, baseadas em vínculos de trabalhadores por empresa, fossem substituídas por outro tipo de instituição, aglutinando categorias profissionais e abrangendo todo o território nacional.

Até aí morreu o Neves, pois havia algo de podre no Reino da Dinamarca, a ponto do rei propor meu reino por um cavalo, isto é Cabral descobriu o ovo, que na verdade era de Colombo: — Iniciaram-se as fraudes, a corrupção ativa e passiva, a propina, a lavagem de dinheiro, a formação de quadrilha, o crime organizado dos colarinhos brancos e dos gabinetes, o toma lá da cá, as licitações viciadas e superfaturadas, os mensalões, os petrolões, os empréstimos a fundos perdidos às Republiquetas Bolivarianas, a Cuba, a Moçambique et caterva.

A administração previdenciária deixou de ser então de responsabilidade de cada CAP, passando para a alçada do Estado, que instituiu, pela primeira vez na história do seu orçamento de custeio, os recursos necessários para desempenhar as novas tarefas, tornando necessária e legítima sua intervenção sobre os mecanismos de arrecadação e gestão das entidades previdenciárias.

A primeira instituição desse tipo surgiu em 1933. Ao longo da década foram criados outros institutos.

Os tipos e valores dos benefícios previdenciários dos IAPs não eram uniformes. Cada categoria de atividade os estabelecia livremente e eram dependentes do percentual de contribuição que os participantes pagavam ao instituto durante sua vida ativa. As categorias com salários mais elevados tinham mais recursos para as provisões previdenciárias e incluíam até serviços de assistência médica. E tal como acontecia com as CAPs, os participantes dos IAPs conduziam-se pautados por laços de solidariedade, uma vez que as contribuições dos trabalhadores da ativa eram utilizadas para a cobertura de quem se afastava do trabalho por doença ou velhice, porém, agora, além de contarem com a contribuição dos empregadores, passavam a ser financiados também pelo Estado, que cuidaria principalmente das despesas com a administração.

Os recursos não utilizados pelos IAPs foram largamente “aproveitados” pelo governo para aplicação em investimentos diretos em vários setores da economia, transformando a Previdência no principal “sócio” do Estado.

Em 1960, depois de 14 anos de discussão, o Congresso Nacional promulgou a Lei Orgânica da Previdência Social — LOPS —, instituindo um sistema previdenciário único para todos os trabalhadores do setor privado, por meio da unificação da legislação que regia os IAPs e da eliminação das disparidades quanto ao valor e tipos de benefícios existentes entre eles. Isto ocorreu mesmo a despeito da resistência de certas categorias profissionais, que sofreram diminuição na quantidade e no valor dos benefícios previdenciários.

Em 1966, consolidou-se a unificação do sistema previdenciário, com a criação do Instituto Nacional de Previdência Social — INPS — a “galinha dos ovos de ouro” do Governo Federal, agregando todos os IAPs e deixando definitivamente de existir diferenças entre os segurados do setor privado da economia quanto à instituição previdenciária que os assistia. Lembra-se que, naquele ano, o país era dominado por uma ditadura militar, iniciada em 1964, quando foram suprimidos os direitos políticos e civis dos cidadãos, perdurando até 1985.

Todas essas lucubrações vieram à tona porque a partir de março de 2020 o contracheque do servidor público estadual sofre e continuará sofrendo ad perpetum, por conta do um estupro, da espoliação do Executivo Estadual, que desde agosto de 1931 — ano da inauguração do Instituto de Previdências do Estado do Rio Grande do Sul — vale-se das burras deste IPE para honrar seus “apertos” e conveniências.

A Caixa Econômica Estadual do Rio Grande do Sul, onde trabalhei até minha aposentação, era a mantenedora, em parceria com seus funcionários que descontavam o percentual fixo do salário bruto em Folha de Pagamento, da Fundação dos Servidores da Caixa Econômica Estadual — FUCAE. Com os fundos das contribuições a Fundação assistia INTEGRALMENTE seus associados e TODOS os seus familiares (marido/esposa, filhos até a idade de 24 anos) na área da Saúde, desde a mais rotineira consulta médica ou dentária, abrangendo exames laboratoriais, próteses auditivas, dentárias, óticas e ortopédicas, até a hospitalização em quarto de primeira, e todo gênero de tratamento pré e pós-cirúrgico.

Com o “assassinato” da Caixa no governo de triste lembrança de um tal Antonio Brito e seus deputados baba-ovos, a Autarquia foi liquidada e da qual, há mais de vinte anos, seus servidores não receberam a integralidade do valor devido por coparticipação. A pergunta que não quer calar: — Por quê?

Em “substituição” à FUCAE um “seletivo” e diminuto grupo de ex-funcionários idealizou o SaúdePas, que nas suas entranhas alimentava-se da pretensão de nada mais ser do que uma unimed, uma amil, uma amico ou uma goldencross da vida, em face do “custo” — que por si nunca foi pouco — e POR CABEÇA de cada  membro da família.

Com a Reforma Previdenciária promovida por Leite, com o “reajuste”(?) escorchante do desconto a sangrar nos contracheques, eu, e acredito que a grande maioria de meus ex-colegas, em face da obrigatoriedade constitucional do desconto da previdência ao IPE, renunciamos ao agora elitizado grupo empresarial SaúdePas (em maiúsculas).

“Eles” chegaram lá!

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