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Ela também amava os Beatles e os Rolling Stones

Para Beta Timm, in memoriam

Não era só um domingo cristão: era um imenso domingo universal, como nos diria Machado de Assis. Naquele início da tarde de um domingo de novembro e de intenso calor, estivemos juntos – os leais amigos –, para celebrarmos a vida e, à noite, reverenciarmos o ídolo de nossa adolescência: Paul MacCartney. O encontro foi em casa de Beta Timm. Posamos alegres e, sobretudo, esperançosos de que ela iria, uma vez mais, sagrar-se vencedora; afinal, Beta sempre fora a imbatível guerreira.

Havia, lá, um garoto cabeludo. Ele se sentou ao piano e entoamos “Hey, Jude”. Depois, seguimos para o Estádio Beira-Rio. Ela, em cadeira de rodas, impetuosa, sedenta de aventuras. O almoço com o restante dos amigos ficara programado: 10 de dezembro.

Os anos eram os de mil novecentos e sessenta. Formávamos um heterogêneo grupo de adolescentes – quase trinta –, a “Turma da JP” (carinhosa referência à rua onde morávamos, a José do Patrocínio). Como recorrência natural, cada qual trilhou seu caminho. Beta seguiu o seu: jornalista, professora da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Passou por redações de jornais como Correio do Povo, Folha da Tarde, Diário do Sul, Jornal do Comércio e Gazeta Mercantil. Doutora em Informática na Educação, lecionou disciplinas técnicas e teóricas durante 11 anos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e, nos últimos anos, esteve à frente de projetos envolvendo educação e comunicação para Escola de Engenharia da UFRGS, Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) e Centro de Supercomputação da UFRGS (CESUP), além de participar, de projetos como o Fronteiras do Pensamento. Era jornalista do quadro técnico-administrativo da UFRGS e trabalhou na Rádio da Universidade.

Este perfil de extremada cultura e inteligência não encobriu a irreverência da jovem e rebelde mulher, muito à frente do seu tempo que participou do movimento feminista nos anos 70.

Filha de general, não apenas se opôs abertamente aos ditames do regime de exceção então vigente e defendido pelo pai, aos dezesseis anos rebelou-se aos padrões familiares então impostos e rompeu o “cordão umbilical”, assumindo, dali para diante, por sua conta e risco, a própria vida e Juliana, a filha recém-nascida.

Maria Isabel Timm, a Beta Timm, na terça-feira de Carnaval, como era bem do seu jeito – irônico e único de se expressar –, nos disse um “Tchau, galera. Mais tarde a gente se encontra”.
Ao entardecer da segunda-feira, 14 de março, espiritualmente nos encontramos, no exato  lugar que ela sempre amou: o “Lago Redondo” da Redenção. Abraçamo-nos, os amigos, e entoamos a canção que uma única risonha e debochada estrela, naquele momento, sugeria.

Hey, Jude, don't make it bad,( Ei, Jude, não nos deixe mal)
take a sad song and make it better, (escolha uma música triste e torne-a melhor,)
remember to let her under your skin, (Lembre-se de deixá-la debaixo da sua pele,)
then you'll begin to make it better (Então nós começaremos a melhorar)
(better, better, better,better, better, oh!)  (Melhor, melhor, melhor, melhor, oh!)*

*Hwy, Jude – Paul MacCartney

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