Houve uma vez um verão…

Não! Eu não sabia da existência de Diego Kovlakoff, personagem de um conto de Eduardo Galeano, em “O Livro dos Abraços”. Sequer conhecia a obra de Galeano, ou de qualquer outro autor. Seria muito exigir do guri de três anos que, pelas mãos de seu pai, vislumbrou o mar por vez primeira, em Capão da Canoa. Mas, quem sabe, teria sido minha a frase de encantamento que o pequeno Kovlakoff dissera ao pai ante a imensidão oceânica:

– “Pai, me ajuda a olhar!”

Capão, naqueles idos, era um bucólico balneário, rodeado de altas dunas, somente alcançado, por quem viesse de Porto Alegre, passando por Gravataí e a doce Santo Antônio da Patrulha, após cinco horas de viagem a bordo dos ônibus da empresa Santos Dumont. No entanto, Capão da Canoa já mostrava os primeiros sinais de que, no devido tempo, ganharia a condição de cidade. Que dissessem os Edifícios Aymoré e Xavantes, os primeiros prédios de apartamentos residenciais naquele início dos anos cinquenta.

O Hotel Rio-grandense – onde nos hospedáramos – ficava à frente de uma arejada pracinha. Era uma imensa construção de madeira, formada pelos quartos – os banheiros não apenas eram apartados como coletivos – e o grande salão, onde eram servidos o café, o almoço e o jantar. O salão, nos finais de semana, transformava-se em pista de dança ou palco para algum show.
Meus pais – jovens ainda – curtiam, às tardes, uma segunda lua de mel. Esta, como tudo, tinha o seu preço: a contratação, durante duas horas inteiras, da carrocinha puxada por um cabrito, e guiado pelo “Boininha”, um moleque esperto nos seus dez anos. Lampeiro, eu excursionava a bordo da pequena carroça pelas ruas de precário calçamento daquela estação de veraneio.
Os prazeres, que nem mesmo as águas geladas daquele mar…rom, ou a eventual “beliscada” de siri espantavam, eu os encontrava nas brincadeiras com meu pai com a imensa bola, forrada por um espesso e áspero tecido com quadrados multicolores, e no picolé – o prêmio pela exaltação aos exercícios físicos – sob os estranhos aparas-sóis que já não mais existem. O sono, recheado de sonhos promissores para outro dia de venturas, não se deixava perturbar pelos mosquitos – verdadeiros “kamikazes” – que a fumaça dos espirais de “Boa-Noite” tentavam inutilmente espantar.

Hoje – curiosamente – moro em Capão da Canoa; não mais no bucólico e seguro balneário, rodeado de imensas dunas que transfiguravam os passeios, aos finais de tarde, no carrocim do “Boininha”, em empolgantes aventuras. Em que escaninhos da memória se encontram as dunas imensas de minha infância, os jogos, as brincadeiras e os bailes do Hotel Rio-grandense, onde meus pais, esquecidos de tudo, planavam ao som de um doce bolero?

O lugar onde moro foi sepultado pela insânia dos espigões, dos ambulantes e gradeado ante a presença da mão armada da criminalidade.

E meu pai não mais está aqui pra me ajudar a olhar…

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