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Maria de Nazareth Agra Hassen escreve, eu transcrevo

Para comentar a utopia no século XVI é necessário considerar as ideias de As campanhas eleitorais vêm se mostrando como verdadeiros espetáculos do circo dos horrores. O marketing das aberrações, com a adoção de apelidos e slogans que ultrapassam o simples exotismo, amplia-se especialmente nas eleições proporcionais para casas legislativas. A política brasileira já deveria ter superado essa prática apenas aparentemente ingênua de oferecer a tribuna da propaganda eleitoral a quem se apresenta à população com os discutíveis recursos do escárnio, do deboche e do rebaixamento da própria política.

De outra banda, os demagogos de plantão,  ante a carência de originalidade, copiam-se no jargão “uma cidade para as pessoas.

É exatamente respaldada neste discurso vazio dos candidatos que Maria de Nazareth Agra Hassen, Doutora em Educação?UFRGS, sustenta o seu artigo “Cidade para as pessoas”.

Considerei-o – é a minha leitura particular e, em especial, tratando-se dos caboclos destas terras tupis-guaranis – como um ensaio  (contundente, diga-se de passagem  sobre a obra de Thomas Morus, Utopia no Século XXI. Para quem desconhece a obra de Morus, pensador de origem inglesa foi um dos melhores representantes das ideologias humanistas que surgiram naquele período.

a sociedade ideal se assemelha à sociedade apresentada por Platão em: A República. Segundo alguns críticos, foi pensando naquele modelo de vida que Morus publicou, em 1516, uma obra de ficção que constitui uma verdadeira crítica social, política e religiosa à sua época, que era a Inglaterra dominada pelo rei Henrique VIII.

Nesta obra: A Utopia, Morus nos apresenta uma ilha imaginária onde todos vivem em harmonia e trabalham em favor do bem comum. Desde então o termo “utopia” está associado à fantasia, sonho, fortuna e bem estar, que são aspectos formadores do ambiente utópico onde se desenvolveu a sociedade utopiana, no país chamado Utopia ou Ilha da Utopia que era dominada pelo rei Utopus.

O artigo Cidade para Pessoas, da Dra. Maria de Nazareth Agra Hassen, é como frisei, a visão da Utopia do Século XXI e um freio a esses oportunistas bissextos. Pena, no entanto, que eles sequer leem, muito menos entendem, o recado que lhes seria um potente murro na boca do estômago.. É de Agra Hassen o texto a seguir:

“É característica do discurso vazio a apropriação de conceitos que causem impacto positivo, mesmo que o restante do discurso e principalmente a prática não guardem relação com as atrativas locuções. A noção de cidade para as pessoas tem se disseminado como posição política e visão de mundo em várias cidades, ainda que nossos políticos, que recentemente passaram a utilizá-la, incorram em contradição ao aliar a ideia de cidade para pessoas com noções incompatíveis com o conceito. Como exemplo, temos as propostas de mobilidade urbana, que em nada se aproximam do conceito original, utilizado e praticado por Jan Gehl em cidades como Copenhagen, Melbourne, Estocolmo, Nova York.

O conceito de pessoa aqui se opõe a máquina, a capital, a lucro, a desenvolvimento e a progresso. Não há pessoa no centro de uma lógica do capital e do progresso. Há pessoa na lógica da educação, do encontro, da solidariedade e do compartilhamento. Nenhum candidato fala em decrescimento econômico, por exemplo. E são conceitos associados pessoa e decrescimento. Não se faz política para as pessoas juntamente com desenvolvimento econômico, porque vão a direções opostas.

Uma cidade para pessoas promoveria estreitamento de avenidas, não alargamento. Uma cidade para pessoas privilegiaria aqueles que se deslocam a propulsão humana, como o pedestre e o portador de necessidades especiais, depois o ciclista e só depois os veículos motorizados, privilegiando o transporte público, confortável e pontual.

As ciclovias e ciclofaixas não são segregadas das ruas e avenidas, mas subtraem uma pista antes destinada a veículos motorizados. Uma cidade para pessoas teria tempo de semáforo para o pedestre atendendo a sua necessidade e não à do fluxo do trânsito. Aqueles que vêm usando o conceito deveriam ler o livro do famoso arquiteto Jan Gehl Cities for people (Island Press, 2010). Na publicação ainda não traduzida ou publicada em língua portuguesa, Gehl sustenta, entre outras teses, que uma cidade para pessoas não tem edifícios altos, pois o contato com a vida da cidade só se pode obter até o quinto andar, e que a questão da densidade se resolve com projetos arquitetônicos orientados por uma ideia humanista. O conceito não se resume a retirar os carros das ruas e diminuir a altura das edificações.

Uma cidade para pessoas teria políticas de transformar terrenos baldios em praças públicas, iluminadas e com equipamento para crianças e adultos. Uma cidade para pessoas alargaria as calçadas e levaria segurança às ruas para que as pessoas não precisassem se gradear, roubando espaços de calçadas, e pudessem colocar suas cadeiras na rua e conviver com os vizinhos, substituindo o lazer baseado em consumo pelo lazer baseado em trocas sociais. Uma cidade para pessoas, ao proibir edifícios altos, investiria na convivência, base da realização humana mais plena.  Uma cidade para pessoas investiria na prevenção à saúde e não apenas no tratamento. Uma cidade para pessoas incentivaria os artistas de rua, investiria na sua formação e nas suas condições de trabalho. Uma cidade para pessoas acolheria suas crianças e adolescentes e criaria condições para que toda criança fosse aceita com suas características e história de vida, e, portanto, os abrigos municipais não se localizariam apenas nas periferias. Uma cidade para pessoas coibiria as descargas abertas dos carros poluidores, multá-los-ia e os apreenderia. Uma cidade para pessoas incentivaria o plantio de árvores e flores, não os coibiria. Uma cidade para pessoas não asfaltaria ruas em vilas populares sem lhes garantir espaço para as calçadas e para as praças, onde as crianças pudessem brincar e jogar. Uma cidade para pessoas teria aulas de trânsito na escola em que as crianças aprenderiam a se deslocar de bicicleta ou a pé, conhecendo seu bairro e os demais. Uma cidade para pessoas institui as zonas 30 (regiões, em geral bairros em que a velocidade máxima é 30 Km/h) e veda o trânsito de automotores em ruas em todos os bairros nos finais de semana.

Uma cidade para pessoas enfrenta desafios, cria inimigos nas esferas do poder econômico, inverte a lógica da necrópole, instaura a humanidade e recompõe a vida em espaço público aberto. Uma cidade para pessoas elimina outdoors e outras formas de enfeiamento e estímulo ao consumo. Uma cidade para pessoas incentiva a diminuição da produção de lixo, orienta sobre a separação e sobre a criação de compostagem em escolas, casas e apartamentos, institui hortas comunitárias em todos os bairros.

As pessoas não precisam ser cuidadas, elas têm que se sentir incluídas no cuidar. Uma cidade para pessoas facilita a vida do cidadão e retira o poder do burocrata. Uma cidade para pessoas distribui o poder e garante que as pessoas tenham nas ruas a extensão das suas casas e não um parêntese entre espaços vitais.

Uma vez conhecido o compromisso com a cidade para pessoas, algum candidato ainda se habilita?”

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