Milícias mudam de estratégia, mostra estudo da Uerj
A pesquisa coordenada por Ignacio Cano e Thais Duarte, do Laboratório de Análise da Violência (LAV-Uerj), teve o patrocínio da Fundação Heinrich Böll, da Alemanha. O resultado foi transformado em um livro de 150 páginas, com textos sobre a origem das milícias no Rio, depoimentos, gráficos, tabelas e mapas que traduzem a atuação desses grupos armados no estado, principalmente na região metropolitana.
Cano explicou que as milícias foram enfraquecidas pela ação do Estado e por problemas internos de disputas, mas continuam operando nos mesmos territórios que tinham há quatro anos, só que de forma menos ostensiva.
“O esforço do Estado foi muito importante para cortar o avanço desses grupos e sua expansão, mas não conseguiu erradicar o problema. A nova milícia é muito mais discreta que a antiga. Não tem mais 50 homens armados andando por aí, não marcam mais as casas, mas é igualmente violenta e intimidadora. É um fenômeno mais sutil, eles não se candidatam na proporção que faziam antes aos cargos públicos, mas o terror e a extorsão continuam da mesma forma”, apontou o pesquisador.
Ele destacou que as evidências mostram que os grupos milicianos têm menos força do que antes, controlam menos atividades econômicas, mas continuam matando com frequência. Só que de forma dissimulada, para não chamar a atenção. Se anteriormente fazia questão de matar desafetos à luz do dia, como exemplo, agora a tendência é assassinar as vítimas e fazer desaparecer seus corpos.
Os pesquisadores constataram, observando as estatísticas oficiais, que há um aumento no número de desaparecidos, ao mesmo tempo em que se observa um declínio no de mortes violentas, em áreas de milícia.
“Há muitos assassinatos, torturas e o clima de terror nas comunidades é ainda mais alto do que anos atrás. É um sinal de alarme comprovar que a razão entre mortes violentas e desaparecidos aumenta justamente nas áreas onde a milícia atua. É um sinal sobre a possibilidade de que as milícias estejam desaparecendo com os corpos das vítimas em vez de matá-las publicamente.”
O pesquisador destacou que o apogeu de expansão das milícias foi o período 2006-2007 e que, atualmente, a repressão do Estado, inclusive com a prisão dos principais líderes, mudou sua forma de agir. “Em 2008, começou a repressão a elas e hoje em dia são muito mais tímidas em sua exposição pública. Estão se afastando do modelo do tráfico, de controle de entrada e saída [do território], de ter alguém sempre presente e indo mais na direção de grupos de extermínio ou da máfia, de forma mais sigilosa, para manter os lucros, com uma exposição menor. Os grupos não estão mais se exibindo, como eles faziam antes. Hoje, a investigação ficou mais complicada, justamente em função da discrição dessas milícias.”
Cano alerta que ao mesmo tempo em que há certa diminuição do poder miliciano no Rio, em outras partes do país novos grupos estão se organizando, nos mesmos moldes. São igualmente formados por militares, ex-militares e policiais que oferecem serviços de combate ao crime, aliados à exploração clandestina de produtos e serviços, incluindo a venda de botijões de gás, comercialização de sinal de televisão a cabo e o transporte de vans.
“Temos informações de outros estados de que fenômenos semelhantes estão começando a ocorrer. Então, o Brasil como um todo tem que começar a olhar para este problema, porque daqui a pouco não será exclusivo do Rio de Janeiro. Milícia é um negócio, você tem que conseguir pegar o dinheiro ou, pelo menos, aumentar os custos desse negócio. Prender pessoas é importante mas, em sua grande maioria, são descartáveis e acabam substituídas. Atacar o coração do negócio é essencial para poder desarticular esses grupos.”