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Minha Rua

Havia apanhado a lotação no Centro, em direção ao bairro. No trajeto me dei conta de que estava adiantado no horário, e resolvi gastar o tempo descendo na rua onde nasci e cresci. Frequentemente passo por ela de carro ou lotação, mas a pé, não; faz muitos anos.

O movimento da rua nesse fim de tarde de outono é intenso, bem diferente da minha época. E me lembro de quando criança, em frente de casa, brincando com um carrinho de madeira no canteiro ao pé do cinamomo, junto ao cordão da calçada.

E como havia cinamomos na rua! Todos, com os anos, tombaram. Do fruto fazíamos munição aos bodoques. Hoje, há outras e poucas árvores. Mas aquela em que Breno se dependurava, fazendo do seu galho um balanço, ainda está lá. Quarenta anos mais velha!

Junto a um terreno baldio, ao lado do meu prédio, ficava o campinho de futebol. O quase imbatível Real Futebol Clube, por nós fundado, protagonizou ali jornadas memoráveis.

Por onde andará Barbosa, nosso goleiro, e Sadi, zagueiro eficiente? E o nosso número nove e goleador, Dirceu? Sobretudo, desapareceu a molecada que, todo o fim de tarde, se reunia para jogar futebol com uma bola de couro velha e surrada. Lembro que alguns mais afortunados jogavam de chuteira; outros descalços, com os pés escalavrados, mas com o mesmo ardor pela disputa.

Sento no muro em frente ao meu antigo prédio, e dirijo o olhar para a ruazinha sem saída, onde morava a maioria dos meus amigos, e ali também jogávamos taco e implicávamos com uma solteirona, filha de um ex-prefeito. Olho agora para a janela da nossa sala. Uma mulher aparece de cabelos escorridos; olha-me desconfiada. Afinal, um estranho está sentado no muro do edifício.

Vendo que a observo, recua, mas de soslaio fica a me espiar. Quem será este homem velho e carcomido, estará pensando a mulher de cabelos escorridos. Pois saiba, senhora, que aqui nasci. Saí adulto levado pela vida e, da sua janela, quantas vezes observei, ora debruçado, ora por dentro do vidro, o movimento da rua.

Na sala onde está a senhora – recordo – houve muitas reuniões da família, aniversários, Natail, Ano Novo, confraternizações com amigos e parentes. Mas também houve muitos dramas, que a minha memória busca inutilmente apagar.

Agora fito do outro lado da calçada uma menina que parece vir do colégio, com os livros abraçados junto ao peito; saio da letárgica nostalgia e lembro que já são horas; minha filha me espera…

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