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Não há escrita sem leitura, sem reflexão

Autocomplacência e autopiedade geram apenas artistas medíocres. Para alcançar uma inquestionável mestria – meta, afinal, de todo artista –, o escritor (ou aprendiz dele) deve ler muito e escrever intensamente, avaliando e reavaliando com permanente rigor os resultados parciais de seu trabalho. Depois de aprender as técnicas essenciais da arte da literatura (ofício de todo escultor da palavra), é justo que se faça a pergunta: o que falta, ainda? A resposta, longe de ser complicada, pode até parecer simplista: faltam, “apenas”, mais exercícios… E muita imaginação. Para nós poetas e escritores, a tarefa de compreender a importância do texto literário não é difícil, uma vez que é do saber de todos que literatura é a arte de criar significados.

Não há escrita sem leitura, sem reflexão. Para tanto, de forma a minimizar a escassez de ambientes propícios à leitura de poesias (ou recital de poesias) na cidade, reunidos para um finalzinho de tarde, alguns poetas contemporâneos de causa propuseram o Sarau Poético Bar do Guego. Ali, autores e leitores de textos poéticos e narrativas curtas ganham notoriedade, trocam experiências e, ainda que timidamente, se aventuram a refletir a literatura. São discussões que surgem espontâneas, conduzidas por autores e aspirantes a críticos.

Entre uma alfinetada e outras, àqueles que acreditam que poesia é negócio de grande responsabilidade, ao final da noite ganham as ruas. Polidos pela exaustiva discussão, os autores se despedem. Vão exercitar no papel o aprendizado da noite, em prol da sua arte. A cada edição, o Sarau Poético é agraciado com novos integrantes e novas mídias.

Um bom exemplo é a crônica “Poesia no Bar” – publicada no tablóide cultural Jornal de Artes –, aonde se alcançou muitos leitores. Experimentar vivências e compartilhar conhecimentos é algo indispensável para nossas vidas. A crônica atingiu-os como um tapa bem dado! O resultado não poderia ser outro. A provocação. Por mais inofensiva que pudesse parecer, despertou aquele grito de liberdade há muito engasgado no leitor, acostumado a ingerir noticiários que podam agressivamente o Ser Pensante.

A crônica, ainda que resvalando sobre diversos temas trabalhados sob enfoque superficial, referia-se de forma mais contundente a possíveis preconceitos (falsos julgamentos ou interpretações desastrosas, como queiram) atrelados a este humilde movimento denominado “Sarau Poético”. E que, desde então, vem se firmando tradicional evento cultural. Que rompe padrões da elitizada estética noturna de nossa cidade, para se consagrar necessária manifestação literária.

O Sarau Poético, desde seu início, organizado e coordenado por jovens poetas da cidade, tem se tornado a referência cultural no campo da “literatura”, atraindo poetas e admiradores da poesia de toda a região. Aliás, por mais autênticos e voltados a defender o texto como expressão artística, assim mesmo perduram-se marginalizados. Por outro lado, blindados a qualquer manifestação da crítica pela crítica, o fato é que despontaram talentosos no trato com o verso, e honram este dom com grande responsabilidade.

Mas infelizmente, o Sarau Poético tem servido de espaço para despojar vaidades, disputar popularidade. E agressivamente, isso vem de encontro ao propósito do evento. Neste caso, a literatura perde a sua identidade, e perde-se o foco principal. O objetivo de promover espaço a poetas e músicos, para que mostre cada qual a sua arte, fica em segundo plano, comprometido e limitado. Obviamente, o evento não ganha notoriedade enquanto o espetáculo da noite for o poeta, e não a Poesia, como deveria de ser.

Discursos fora de hora, explicações à cerca da obra e outros fardos desnecessários só tornam pedante o ambiente. Incomodam-me (para não dizer: agridem-me) as “bobagens” sem tamanho que circulam livremente no bar, e nunca são contestadas, de que poesia limita-se à concepção de orgasmo, e/ou de rima, e/ou de isolada inspiração e/ou de junção dos vocabulários.

Como não me arrisco a discutir verbalmente no calor da ocasião, uso o texto (que é organização de palavras, e não amontoado de vocabulários), de uma maneira mais autêntica e construtiva, para provocar um debate a respeito do que é literatura e sua importância para a sociedade. E discuti-la como verdadeiros escritores que somos, com palavras, e de preferência organizadas de forma coerente. Pois escrever é aprender a escrever: quem se dispuser a ler os diários de qualquer grande escritor vai constatar que todos eles, invariavelmente, escreviam como se estivessem em permanente aprendizado.

Na minha humilde opinião, os textos literários (aqui, a literatura já a sua completude social) são registros de pensamentos e fantasias do homem e de sua relação com o mundo que o cerca. Têm o objetivo de divertir e expressar pensamentos e idéias através de conteúdo e forma escolhidos pelo autor. Para Ernest Hemingway (1898-1961), o escritor precisa apenas “ir em frente e escrever”.

Mas foi ele também quem reconheceu (numa frase lapidar) que a boa prosa “é arquitetura, não decoração de interiores”. Nada contra os decoradores, é claro – mas é importante não perder de vista que um texto precisa mais de estrutura do que de adornos. Deve ser levada em consideração, ainda, que não há escrita sem leitura, sem reflexão, sem a adoção de um ponto de vista e, pode-se mesmo dizer, sem um desejo, por parte de quem escreve, de se manifestar a respeito de um determinado tema. E a leitura não é apenas uma das ferramentas mais importantes para o estudo e o trabalho, é também um dos grandes prazeres da vida.

Portanto, não basta estar escritor ou poeta. Temos que ser Autor, viver autoria, experimentar os desafios da arte de criar significados sem preconceito e fronteira, sem autocomplacência e autopiedade! Para tanto, primeiramente, deve-se conhecer a fundo a nossa língua portuguesa, para alcançar a inquestionável mestria. Como mencionado acima, um texto precisa mais de estrutura do que de adornos. O Sarau não pode ser um espaço de espetáculos, de enfeites meramente ilustrativos. Mas ser o ambiente de discussões acerca da literatura. Eu, por exemplo, sou cronista porque estou no clímax do exercício… e do mais exercício.

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