O décimo primeiro mandamento
te trago mil rosas roubadas
pra desculpar minhas mentiras
minhas mancadas”
(“Exagerado” – Cazuza, Ezequiel Neves e Leoni)
Ser jornalista significa aproximar-se mais do que qualquer outro da vida real, escavar seus recantos escondidos, mergulhar as mãos e ali sujá-las.
Qual é o jornalismo mais marcante dos últimos tempos? Não é um Hemingway contando suas experiências nas trincheiras, nem um George Orwell que viveu um ano inteiro com os miseráveis de Paris.
Citemos, pois, Oriana Fallaci, que publicou, nas décadas finais do século XX, na revista italiana Europeo, uma série de entrevistas com os políticos mais célebres da época.
Eram mais do que entrevistas; eram duelos. Antes de poder compreender que lutavam com armas desiguais – porque era ela que podia fazer as perguntas, não eles – os políticos todo-poderosos tombavam nocauteados no ringue. O poder do jornalista não se fundamenta sobre o direito de fazer uma pergunta, mas sobre o direito de exigir uma resposta.
Assim determina a História, que conferiu já nos fins do Século XX ao jornalista um poder com o qual nem Hemingway, nem Orwell ousaram sonhar. Isso ficou claro no dia em que os jornalistas americanos Carl Bernstein e Bob Woodward desmascararam com as suas perguntas as maracutaias do Presidente Richard Nixon, no famoso escândalo conhecido como “Watergate”, constrangendo o homem mais poderoso do planeta, primeiro a mentir publicamente, depois a admitir publicamente que mentira, e, enfim, a deixar a Casa Branca com o “rabo entre as pernas”.
Com o evento da Internet e a relativa liberdade de imprensa, muitos são os jornalistas que vêm se destacando no cenário mundial. Moisés não colocou “Não mentirás” entre os dez mandamentos de Deus. Não foi por acaso! Pois aquele que diz “Não minta!” disse, antes, “Responda!”. Afinal de contas é preciso que um mandamento seja exercido, neste século onde os Dez Mandamentos já estão praticamente esquecidos! Toda a estrutura moral de nossa época tem como base o décimo primeiro mandamento. E o jornalista compreendeu muito bem que caberia a ele garantir sua gestão.
Estamos vivenciando, na prática, em campanha eleitoral. Dilma Roussef, certamente, se valerá da máquina administrativa. Como bom aprendiz, agita-se, transpira, aproveita a foto da inauguração de uma bica no sertão agreste, comenta os benefícios das bolsas-assistencialistas e faz o discurso ensaiado.
No entanto, surge a grande questão: a exemplo do que foram Woodward e Bernstein, quem decidirá dentre as cinquenta mil frases por ela pronunciadas qual será editada nos jornais, no rádio e na TV? Será preciso a intermediação de uma Oriana Fallaci, de quem verdadeiramente detenha o comando do programa e que faça as perguntas. Para tirar proveito do breve momento em que toda a nação pode vê-la, Dilma gostaria de dizer aquilo que realmente é importante para ela. Quem se atreverá, no entanto, interrogá-la sobre assuntos que não lhe interessarão, e sobre os quais não há de querer falar? Boris Casoy? Diogo Mainardi? Arnaldo Jabor, se o “regime democrático de direito” ditado pela cartilha petista, a mando de Lula da Silva, os mandou calar a boca? Desta forma, Dilma Roussef estará a salvo.
A candidata não correrá o risco de se encontrar na situação clássica do estudante interrogado no quadro-negro, que irá se valer de um velho truque: fingindo responder a pergunta, recorrerá, na verdade, a frases preparadas em casa. Se esse truque pôde enganar o professor algumas vezes não poderia enganar àqueles jornalistas que a perseguiriam sem piedade: “A senhora não respondeu à nossa pergunta!”