O retorno de Lhassa
Alef, Isis, Lama Dawa Kazi e os dois espanhois avistaram, ao longe, um jovem lama. Ele vestia uma túnica de linho grosso amarelo e o tradicional chapéu pontudo, forrado de peles, que simbolizava o Cordão de Prata, cuja entrada no corpo é feita no alto da cabeça. O jovem aproximou-se e estendeu-lhes uma bandeja de prata com biscoitos, folhas de chá e manteiga, embrulhada em papel de seda, e, após uma reverência, lhes informou:
– Vim dar-lhes as boas-vindas e trazer-lhes presentes da parte de meu Mestre, o Lama de Latchen. – Apontando para a antiga construção que se erguia no alto da montanha, o jovem lama prosseguiu. – O Mestre pediu-me que os acompanhasse até o mosteiro, onde lhe darão a honra de ser seus hóspedes.
Lama Kazi não escondeu sua alegria.
Após três dias em que permaneceram abrigados no Mosteiro da Sagrada Luz de Buda, o grupo de peregrinos iniciou a etapa final da viagem até Lhassa.
Após terem percorrido um longo e penoso trajeto, avistaram os picos nevados do Himalaia. Sobre uma rocha, no meio do rio Kyi, erguia-se a gigantesca estátua de Buda, esculpida na pedra, mirando a antiga Cidade Proibida.
Era a última noite do ano do Calendário Cristão. No aconchego da pequena sala de estar da hospedaria, a lenha crepitando generosamente na lareira, o Lama Dawa Kazi narrou uma história que ouvira de seu Mestre a respeito dos Dalais. História que calaria fundo na alma de Alef.
Na semana seguinte, o grupo decidiu iniciar a viagem de volta. Do embarcadouro de pedra, Alef percebeu que as águas turvas do rio Kyi haviam se avolumado com as últimas chuvas e a correnteza mostrava-se impetuosa. Do tombadilho da grande barca, que aos poucos fora ganhando velocidade, Alef viu, por derradeira vez, a Cidade dos Deuses, o Palácio de Potala, os Templos de Sera ou Cerca da Rosa Silvestre. Imaginou o Lama Kazi, do alto da janela de um deles, a acenar-lhes adeuses.
Alef, Isis, Juan Jose e Plácido mantiveram-se em profundo silêncio. O Vale Feliz de Lhassa e a Fortaleza do Nirvana Sem Fim desapareceram, para sempre, numa dobra do rio…
Alef escutava somente o ruído sereno das turbinas do avião. A maioria dos passageiros dormia. Após a escala em Paris, ele não mais conseguira conciliar o sono.
A tênue luz da manhã despontou iluminando timidamente a cauda da aeronave. O céu adquiriu os mais variados matizes. Embaixo, muito abaixo mesmo, predominava o negror do Oceano Atlântico. O pensamento de Alef foi tomado pelas lembranças da conversação que tivera, na noite de 31 de dezembro, com o Lama Dawa Kazi, quando este narrou o que ouvira, quando ainda muito jovem, de seu Mestre:
– O último dos Dalais fora desterrado pelos comunistas da China, após a invasão destes ao Tibete, no ano de 1950. Porém, o verdadeiro Dalai Lama morrera em 1924. Desde então, os demais Dalais seriam tão-somente o grande Maya ou ilusão, resultante da política maldosa dos Lamas de Lhassa, inconformados em saber que a sabedoria arcaica deixara o Tibete e emigrara para o longínquo Ocidente.
Em tempos próximos, a alma do verdadeiro Dalai renasceria nas terras de O Fu Sang, ou na América do Sul, isso porque o ciclo da evolução iniciaria sua mudança, conforme afirmavam nossas tradições.
O Tibete seria invadido pelas tropas da Fênix Vermelha, e a espiritualidade desapareceria do País das Neves…
Alef olhou através da janela do avião. O Condor Real Dourado, naquele momento, sobrevoava o Paralelo 30º.