Colunistas

O sarau dos Narcisos

Os folhetins televisivos que todas as noites invadem a grande maioria dos lares brasileiros são a passarela maior para o desfile dos mais variados e intrincados arquétipos.

Como já foi dito por alguém, a nova novela global das 21 horas caracteriza-se por ser pródiga fonte de personagens infantilizados. Apenas para ilustrar, num dos núcleos de Viver a Vida, de Manoel Carlos, presenciamos, dentre seus protagonistas, uma mãe mentalmente retardada (no sentido de infantilizada), cuja filha, nos seus sete, oito anos, demonstra maturidade superior à da genitora.

Através dos arquétipos (imagens psíquicas do inconsciente coletivo) – “incorporados” em outrem que não raro nos é próximo –, percebemos o reflexo, em nível inconsciente, de algumas de nossas próprias facetas que idolatramos ou abominamos, amamos ou manifestamos incondicional repulsa. Esta ojeriza representa, em última análise, o que desaprovamos em nós mesmos.

E o que fazemos, instintivamente? Até que a “luzinha vermelha” de nossa inteligência emocional dê o insistente sinal de alarme, comportamo-nos tal e qual o nosso modelo, com o mesmo “código” arquetípico. E, a exemplo de nosso “paradigma” – por tolos e patéticos – somos alvo de galhofa disfarçada sob o manto de hipócrita admiração e da condescendência.

A capacidade de reconhecer os próprios sentimentos e os dos outros, assim como a capacidade de lidar com eles, não é um processo “mágico”. A “varinha de condão”, talvez, esteja na “bofetada moral” que, em algum momento, se faz mister sofrermos.

A Mitologia Grega socorre-me neste meu particular divisor de águas, através de Narciso, um jovem e belo rapaz que rejeitou a ninfa Eco, que desesperadamente o desejava. Como punição, foi amaldiçoado de forma a apaixonar-se incontrolavelmente por sua própria imagem refletida na água. Incapaz de levar a termos sua paixão, Narciso suicidou-se por afogamento. Daí, o termo narcisismo, que descreve a característica de personalidade de paixão por si mesmo.

Freud acreditava que algum nível de narcisismo constitui uma parte de todos desde o nascimento. Andrew Morrison, por sua vez, afirma que, em adultos, um nível razoável de narcisismo saudável permite que um indivíduo equilibre a percepção de suas necessidades em relação às de outrem. O narcisismo muito excessivo é o que dificulta o individuo a ter uma vida satisfatória, é reconhecido como um estado patológico e recebe o nome de Transtorno de personalidade narcisista.

Indivíduos com o transtorno julgam-se grandiosos e possuem necessidades de admiração e aprovação de outras pessoas em excesso. Apenas eles “aparecem”, somente eles falam e declamam, unicamente para eles é permitido o brilho dos spots dos saraus poéticoliterários. Os termos “narcisismo” e “narcisista” são frequentemente utilizados como pejorativos, denotando vaidade ou egoísmo.

Em psicanálise o narcisismo representa uma modo particular de relação com a sexualidade, sendo um conceito crucial para a formação da teoria psicanalítica tal qual conhecemos hoje.

A intermitente “luzinha vermelha” de minha inteligência emocional e a “bofetada moral” que sofri alguns dias atrás estão processando em mim a construção de um novo ser, a ponto de, hoje, começar a ter sincera condescendência para quem, em última análise, fora meu arquétipo do narcisismo e da soberba.

Torço para, ainda que em algum remoto dia, a “luzinha vermelha” da inteligência emocional daquele se acenda e ele perceba, como eu hoje sei, que os demais lhe oferecem tão somente o dízimo de sua constrangida condescendência.

E nada mais!

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