O surfe do século 21 / Parte 1
Em Santos, pesquisadores estão revolucionando a arte de domar as ondas. A mesma tecnologia que leva o ser humano ao espaço e que permite o envio de sondas aos planetas mais distantes, está hoje na roupa, no calçado, na raquete ou em qualquer outro apetrecho utilizado pelos atletas profissionais. Ligas de carbono ultraleves e resistentes estão nas bicicletas de competição. O solado das sapatilhas dos melhores velocistas é feito utilizando-se os mesmos túneis de vento onde se testa a aerodinâmica de aviões ou carros da Fórmula-1. Fibras sintéticas, trançadas a partir de um único fio com o auxílio de sofisticados programas de computação, são cada vez mais comuns nas roupas dos nadadores.
As camisas das principais seleções de futebol são desenvolvidas nos mesmos laboratórios que criaram revolucionários coletes a prova de bala.
Tudo isso é apenas uma parte da Ciência aplicada no esporte, que se dedica aos acessórios desses competidores. Numa outra ponta dessa realidade, está a medicina esportiva. O objetivo de ambas até que se confunde: oferecer ao atleta um melhor desempenho. Porém, na medicina esportiva a busca do mais rápido, do mais forte e do mais ágil competidor tem os seus primórdios há mais de 2 mil anos. Nos Jogos Olímpicos da Grécia antiga, por volta de 300 a.C., os corredores de longa distância usavam, por exemplo, uma espécie de chá feito com plantas que tinham como principal produto ativo, um alucinógeno extraído de cogumelos.
Mais tarde, principalmente a partir da década de 1930, essa artimanha passaria a ser conhecida mundialmente como doping, algo que o mestre Zizinho (Flamengo, São Paulo e Seleção Brasileira entre outros) assim classificou: Doping é uma coisa que a gente toma aos 40, para se sentir como se tivesse 20 e depois ter um cansaço de quem tem 80. Na verdade, o termo foi parar nos dicionários em 1889, na Inglaterra, significando uma mistura de narcóticos utilizada em cavalos puro-sangue.
Explosão
Hoje, mesmo ainda convivendo com a utilização dessas substâncias, a medicina esportiva evoluiu muito, proporcionando a diversas modalidades, como o tênis, futebol, natação, ciclismo, atletismo e outras, descobertas que são fundamentais, por exemplo, para que um atleta de ponta possa atrasar a sua inevitável aposentadoria, sem perda acentuada no seu rendimento. Ou ainda, permitir a formulação de técnicas específicas de treinamento para cada modalidade, levando em conta os esforços repetitivos que diferem um tenista de um nadador.
Isso significa menos contusões, mais explosão muscular, melhor rendimento cardiorrespiratório enfim, a busca de um super atleta, o alcance dos limites do ser humano.
Porém, ao longo dessa história, muitos esportes seguiram suas trajetórias ignorando parte dessa revolução. O surfe, por exemplo, foi um deles.
O chamado esporte dos reis evoluiu muito. As pranchas, por exemplo, que há cerca de 60 anos eram feitas de madeira e pesavam até 100 quilos, hoje são levíssimas, com no máximo dois quilos. Mas o trabalho da ciência sobre o surfista, mais especificamente da medicina esportiva, só agora começa a ganhar destaque, mesmo sendo uma modalidade praticada por quase 20 milhões de pessoas no mundo, cerca de 2 milhões de adeptos só no Brasil.
Pioneiros
E esse pioneirismo pertence, em parte, a uma dupla de professores de educação física que coordena, aqui em Santos, a Universidade da Prancha (Unipran) – um dos únicos, se não o único núcleo de ensino, pesquisa e extensão dos esportes com prancha do mundo, desenvolvido no Centro Universitário Monte Serrat (Unimonte). Marcello Árias e Flávio Ascânio acabam de participar, pela sexta vez, do maior congresso mundial de medicina esportiva, nos Estados Unidos – eventos nos quais os trabalhos só são aceitos após passarem pelo crivo de outros cientistas.
Lá, duas das três únicas pesquisas voltadas para o surfe, em meio a mais de 2 mil estudos apresentados por especialistas de todo o Planeta, foram feitas por Árias e Ascânio. Nesta edição, você vai saber um pouco sobre as inéditas e curiosas descobertas que a dupla vem fazendo, conhecer a história desse esporte e dos santistas que na década de 1930 introduziram a modalidade no País. Vai conhecer ainda os caminhos que estão levando o surfe a se tornar um currículo obrigatório em muitas universidades da região, e se surpreender com o lado não-ecológico de um esporte que nasceu justamente da perfeita interação do ser humano com a natureza.