O Troféu
Seria este o artifício do qual se serviriam para neutralizar a artilharia pesada oriunda da ferina língua do antigo colega. Agiriam, assim, conforme as regras e mandamentos ditados pelo cinismo e pela falsidade com que o próprio Kleo sempre jogara. O tempo ensinara-lhes a dançar ao som da mesma música.
Kleo, por vias imponderáveis, afirmava saber tudo de todos: a que horas chegavam na empresa, se efetivamente trabalhavam, quem estava tendo um caso com quem e nomeava os candidatos ao virtual par de cornos. Sim, Kleo tudo garantia saber: quem era competente, quem era bom caráter. “Um, talvez dois, num universo de mil!”, anunciava. Kleo jurava conhecer outros segredos: quem deixara de recolher o IPTU, quem estava inadimplente com a tesouraria do clube social e quem estava em débito com a vendedora de empadinhas. Afinal, ele era um homem que tudo sabia.
Kleo decidira fazer na aposentadoria o que sempre sonhara: turismo ecológico. Mochilas às costas – como era um homem que se jactava de tudo saber – beijou a companheira, dizendo-lhe que iria para o Grand Canyon, no Estado americano do Arizona.
– Te cuida, minha Tietazinha – recomendou-lhe, à guisa de despedida.
– Tu também – Maria Teresa devolveu-lhe com languidez, piscando, dissimulada, para a cabeça do alce empalhado que enfeitava a lareira.