O vitrô
Na esquina das ruas 24 de Outubro e Miguel Tostes, ao lado do Armazém Orlando, funcionou por longo tempo uma casa de cômodos. Alguns quartos situavam-se no porão da imensa construção, cujas janelas acompanhavam a descida e inclinação da Miguel Tostes. Quem se encontrasse no quarto situado no porão e de janela aberta, enxergava somente as pernas dos transeuntes. Porém, quem estivesse no nível da calçada, a olhar de cima para baixo, obtinha visão melhor: enxergava a quase totalidade do ambiente, especialmente à noite, se estivesse a luz acesa do cômodo.
Recém saídos do Bar da Júlio, Vitola, Harley Dullius, Artur Poester e Paulo Dable, resolveram continuar a noite no Furnas, bar do Pedruca Sarmento Leite, que ficava na Mostardeiro, quase na descida daquela rua.
Seguiram pela 24 de Outubro, dobraram a Miguel Tostes. Na frente da casa de cômodos, Vitola, inesperadamente, desferiu um chute no vidro de uma das janelas do porão da casa.
O pontapé fora certeiro e quebrou a vidraça do quarto. Os cacos espatifaram-se para dentro da pequena peça, no exato instante em que o casal inquilino vivia o seu momento mais íntimo. Não podia ser pior: Dable pôde ver o homem saltar da cama, inteiramente nu, tamanho fora o susto, pondo-se de pé, atordoado.
— “Seu” filho da p…! — exclamou o infortunado de dentro do minúsculo quarto.
E os quatro, como se nada houvesse, seguiram caminho rumo ao bar do Pedruca.
Mal haviam sentado à mesa quando foram surpreendidos com a chegada de dois soldados da Brigada Militar trazidos por um desconhecido trajando apenas um sumário calção. Tratava-se justamente do homem nu, que Dable havia visto no cortiço.
— São eles! — apontou o homem, indicando aos brigadianos os trampolineiros.
A confusão estava formada: prende-não-prende.
— Prende! — bradava a vítima.
Pedruca bem que tentou apaziguar, mas o homem nu estava irredutível:
— Tem que prender; quebraram a minha vidraça!
Vitola, causador da confusão era de todos o mais tranqüilo e dizia:
— Toda essa confusão, por causa dum vitrô de merda!
Um dos brigadianos disfarçava o riso da cena hilária que vivenciava e confidenciou, baixinho, no meio da discussão, ao Poester:
— Quando vocês quebraram o vidro, o homem estava trepando…
Os ânimos se arrefeceram somente com a intervenção do pessoal mais velho que freqüentava o bar: Binho Kessler, Peludo, e Saco, que com prudência acalmaram o homem nu, depois que Vitola se comprometeu, no dia seguinte, a pagar o conserto do vitrô, sob o aval do Binho Kessler.