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Os frágeis laços de família

Fiz uma releitura de “O Laboratório do Escritor”, do argentino Ricardo Piglia, Nele o autor reescreve o conto “O Fim da Viagem”. É um texto relativamente longo em que narra, na primeira pessoa, os sentimentos e circunstâncias da personagem, Emilio Renzi, com relação a seu pai.

Tocou-me, no entanto, a passagem em que Emílio, a bordo de um ônibus noturno que viaja de Buenos Aires a Mar Del Plata para o enterro do velho que se suicidara, lembra como recebera através do telefonema de uma amiga de seu pai a notícia.

“Está muito mal”, disse-lhe a mulher, conturbada, chorando. “Eu sou Elisa, uma amiga de seu pai. Ele está na Clínica Yeres. Deixou uma carta para o senhor.”

“Emilio se lembrou da casa onde seu pai vivia sozinho, da biblioteca ampla e repleta de sol com as poltronas de couro preto, as cortinas infladas pelo vento. Fechara-se neste quarto. Ele mesmo pediu ajuda e o encontraram sentado diante da janela, respirando com dificuldade mas tranquilo, tentando vendar e estancar o sangue.”

“Ninguém podia imaginar o que ele ia fazer. Ninguém”, disse a mulher como se desculpasse. “Ninguém. Ninguém podia imaginar.”

“Foi por isso que veio da última vez a Buenos Aires, para me dizer, para que eu soubesse ou o ajudasse”, pensou Emilio. “Veio por isso, veio me dizer. Não se animou ou não pôde ou não foi capaz de me contar.” Sempre foi assim: seu pai omitia, tentava manter a dignidade, falseando tudo, tranquilizava os outros quando era ele quem precisava de consolo. “Não se preocupe comigo”, lhe dissera ao despedir-se na estação rodoviária. Emílio o viu afastar-se, ereto, virando o rosto para se despedir com um sorriso, tímido, fugaz. Essa foi a última vez que se viram.”

O sentimento de solidão daquele pai torna-se flagrante ante a narrativa dura, direta, sem permeio de Piglia. Mais do que o estado de quem se encontra ou vive só, esta solidão ganhou, não apenas no conto, mas na nossa realidade dos últimos tempos, dimensão outra de mero substantivo.

É o mais inexpugnável dos sentimentos do ser humano: a dor da alma. É o irreversível e compulsório exílio, fruto do egoísmo daqueles que, incondicionalmente, pensávamos que também nos amassem e nos acolhessem: – filhos, irmãos, parceiros. Por isso, o derradeiro gesto do velho pai de Emílio assombra os porões dos corações e mentes daqueles que, como nos diz o conto, falseando tudo, tranquilizavam os outros quando eram eles quem precisava de consolo.

Aos que ficaram não lhes é honesto baterem repetidas vezes no próprio peito num hipócrita e tardio mea culpa.

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