Pai, perdoai-os. Eles não sabem o que leem. Muito menos o que escrevem
manhã, de um sonho agitado, viu que se transformara,
durante o sono, numa espécie monstruosa de inseto.”
Franz Kafka, in “A Metamorfose”.
Apenas aos gênios e talentosos – como Franz Kafka, Samuel Beckett e Eugène Ionesco – a literatura e o teatro concederam licença para que incursionassem nas entranhas do universo do fantástico e do absurdo.
Beckett revolucionou a estética e a dramaturgia teatral. Fundador do teatro do absurdo, suas obras são repletas de descrença, non-sense e uma visão caótica acerca do mundo e da sociedade. Ionesco foi um dos maiores patafísicos e dramaturgos do teatro do absurdo. Suas peças retratam de uma forma tangível a solidão do ser humano e a insignificância da sua existência. A Metamorfose, o mais famoso livro de Kafka, não conta apenas a história do homem transformado em um inseto. Ao narrar a trajetória de Samsa – que ao acordar vê o próprio corpo metamorfoseado em um bicho com “dorso duro e inúmeras patas” – o escritor consegue, através de metáforas, contextualizar a condição humana e os dramas psíquicos da sociedade. Nesta história, Kafka presenteia-nos com a sua escrita sui generis, retratando o desespero do homem perante o absurdo do mundo. Em que pese o final da narrativa ser previsível, entendo-a como um conto.
O conto é a forma narrativa, em prosa, de menor extensão. Entre suas principais características estão a concisão, a precisão O conto precisa causar um efeito singular no leitor; muita tensão, excitação e emotividade. Seu final há de ser surpreendente, inesperado, até. O conto desconhece a “licença poética”. A trama pode ser fantástica, absurda, jamais inverossímil, sob pena transformar-se num conto da Carochinha ao qual nem mesmo crianças de mediana inteligência se propõem a ler.
Mergulhar nas águas profundas do fantástico, do absurdo sem ter a autocrítica de reconhecer a incompetência e a ausência do mínimo talento, ou debocha do sagrado ato da escrita ou, efetivamente, imaginando-se um “kamikaze”*, realiza um suicídio literário que nem mesmo sua pseudocondição de “acadêmico” têm o dom de evitar.
Caso for “harakiri”* é menos um para abusar do nosso tempo e tolerância intelectual.
*Kamikaze – piloto japonês (poeta/escritor) que arremessa seu avião (poema/texto) contra navio inimigo (leitor desavisado), pois não tem combustível (talento) o suficiente para chegar a uma base segura (escrever um texto minimamente digerível).
**Harakiri – suicídio ritual