Primavera em Veneza

O dia estava lindíssimo. Não era só um domingo cristão, como escreveria Machado de Assis; era um imenso domingo universal, sobretudo porque os sinos da Basílica de Santa Maria Assunta, da Igreja de Madonna dell'Orto, da Basílica de Santi Giovanni e Polo, da Igreja de Santo Stefano, da Igreja de São Roque, da Igreja do Redentor e de mais cento e noventa e cinco Igrejas de Veneza preparavam-se para reverenciar no Angelus, naquele domingo primaveril, o Dia das Mães.

Eu, até então, me mantivera quieto, silencioso, sem provocar qualquer sobressalto e alarde. Afinal, era meu desejo também curtir o passeio que Angelo e Érica, desde cedo se propuseram fazer.

Maurizio, o simpático gondoleiro, vestindo uma vincada calça preta, a caprichosa e inconfundível camisa listrada sugeriu, ao menos por um trecho do passeio, um cantor, acompanhado por um acordeonista.

Embarcamos na Estação Santa Lucia e seguimos rumo ao leste pelo Canal Grande. A vista se mostrava generosa: primeiro o arco da Ponte degli Scalzi. Em seguida, após a embarcação efetuar uma suave curva vislumbrou-se a gigantesca cúpula da Igreja de San Geremia.

Em Veneza é possível vivenciar a atmosfera singular da cidade em diversos lugares de tirar o fôlego: a Riva degli Schiavoni, que se estendia do antigo Arsenal até a Praça São Marcos, e a Ponte dos Suspiros. Diz a lenda que, se um casal de namorados se beijasse debaixo desta ponte ao pôr do sol, na hora em que os sinos de São Marcos estivessem tocando, iriam se amar para sempre. A história real, no entanto, era bem outra, mais sombria: ela servia de ligação entre o Palácio dos Doges e a prisão, onde os detentos definhavam e morriam.

A Praça São Marcos, nosso destino final, fica no extremo do Canal Grande, onde o curso de água desemboca no mar aberto. Ali se irrompe ante o olhar extasiados a Catedral de São Marcos, inspirada na Basílica de Santa Sofia e na Basílica dos Apóstolos, ambas em Constantinopla.

Quando ali chegamos, os sinos da Catedral de São Marcos cultuavam o Angelus, O sol poente irradiava sobre o domo um inusitado facho de luz, anunciando – agora não mais somente a Angelo e Érica – ao Universo todo, Fernando Claro Agra, “o que ousa viajar”. “o que tem coragem para conseguir a paz”.

– Agora, sim, vou dormir um pouquinho e deixar mamãe descansar. Afinal, ela já me carrega dentro de si há alguns dias. Estarei chegando a Porto Alegre, no “aeroporto” do Moinhos de Vento, no entardecer do dia 25 de dezembro.

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