Que Saudades do cacareco…’ – Sérgio Agra

Que saudades do Cacareco…’ 

…e da cédula eleitoral de papel!

No quesito das inovações tecnológicas no sistema eleitoral — em que a “genialidade” de oratória de Pelé deitou sentença lapidar, “Urna eletrônica pra quê, se o brasileiro não aprendeu até hoje a votar?”— ser um dos primeiro não nos era e não é extremamente essencial.O Brasil, na contramão do que deveríamos ser expoentes, após a Índia, que iniciou suas experiências em 1990 e dos Países Baixos em 1991, passou em 1996 a fazer uso das urnas eleitorais eletrônica.

A partir de 2000, todos os eleitores tupis-guaranis votariam através das “indevassáveis” e “incorruptíveis” maquininhas eletrônicas.

De uma republiqueta de bananas, em que até os anos finais do Século XX imperavam na ”contagem” dos votos os currais eleitorais, o “coronelismo”, o poder da chibata e até mesmo das “mortes acidentais” encomendadas pelos senhores de engenhos e usineiros das culturas do açúcar e do café— e nenhum “Zé das Couves”, ou mesmo um Aécio “Cheirador” Neves era doido em contesta e requerer nova apuração—, o Superior Tribunal Eleitoral (STE) deu um salto de presumível qualidade.

Contudo, esta “modernização e aperfeiçoamento da democracia” foi de encontro ao que preconizam os  Artigos XIX da Declaração Universal dos Direitos do Homem — “Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão” — e 5º.,inciso IV —“É livre a manifestação do pensamento” —, e inciso IX —“É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” — ambos da Constituição da República Federativa do Brasil.

As redes sociais de certa forma “compensam”hoje a castração sofrida pelo votante em sua liberdade de pensamento e de opinião quando ele guardava então o poder de grafarno antigo sistema do voto em cédulas de papel.Ali ele expurgava com bom ou mau humor sua indignação contra abandidagem política. Não obstante tal deboche anulasse o sufrágio o eleitor optava pelo protesto.

Pelos percentuais dos votos nulos e brancos a politicalha conhece da avaliação e do que pensa boa parte do eleitorado. A postura dos velhacos carreiristas ficou solidificada na frase de um dos seus arrogantes representantes, o ex prefeito de Santa Cruz do Sul, ex-deputado estadual e federal Sergio Morais: “Tô me lixando pra opinião pública!”. Claro, para quem recebe proventos de “aposentadoria especial” como político, fica conveniente “chutar o balde”.

Aos setentinhas, e às mais novas gerações, vale a leitura de um dos episódios mais cômicos e que ficara definitivamente inscrito nos anais dos pleitos eleitorais brasileiros e que pôs por um bom período de anos as barbas de molho dos candidatos. Mas, no Brasil, sil, sil, a pátria das chuteiras e dos “MeninosNeys”, do seu povo de memória curta,esse temor logo seria esquecido.

Cacareco foi uma rinoceronte fêmea do Zoológico do Rio de Janeiro emprestada ao Zoológico de São Paulo que nas eleições municipais de outubro de 1959 daquela cidade recebeu cerca de 100 mil votos.À época, a eleição era realizada com cédulas de papel e os eleitores escreviam o nome de seu candidato de preferência.Cacareco foi um dos mais famosos casos de voto de protesto ou voto nulo em massa da história da política brasileira, uma vez que se tornou a “candidata” mais votada do pleito: o partido mais votado não chegou a 95.000 votos.

Após o resultado das eleições, Stanislaw Ponte Preta comentou no jornal Última Hora que “diversos membros da cúpula do PSP andaram rondando a jaula de Cacareco, para a colocarem no lugar de Adhemar de Barros“.

Já o então presidente Juscelino Kubitschek declarou: “Não sou intérprete de acontecimentos sociais e políticos. Aguardo as interpretações do próprio povo“.

A ideia de lançar o animal como candidato teria sido do jornalista Itaboraí Martins, em protesto contra o baixo nível dos outros 450 concorrentes. O fato se tornou notório e serviu como referência para várias análises de percentuais no Brasil de voto nulo e dos chamados votos de protesto.

Em 1963 foi fundado no Canadá um partido político que homenageava e dizia ser descendente espiritual de Cacareco. O nome do partido era The Rhinoceros Party e existiu até 1993.

Cacareco foi devolvida ao Zoológico do Rio de Janeiro no dia 1º de outubro de 1959, alguns dias antes da eleição e morreu no mês de dezembro de 1962, Seus restos mortais foram levados de volta a São Paulo em 1984 e estão em exibição desde então no Museu de Anatomia Veterinária da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP.

Você, meu condescendente leitor, minha generosa leitora, já imaginou se, para o pleito de outubro, que já não é mais em outubro e sim em novembro, nos fosse dada a oportunidade do voto em cédula, que nome ou apelido dos mais estrambóticos (e aqui na aldeia é estoque farto) ali escreveríamos? Para prefeito (tentando reeleição),“Franjinha”, ou “Alemão da Brasília”; também investindo na reeleição, “Arrogante Júnior”, Já o “Patrolador de Estátuas” não concorre, porquejá obrigou as “véinhas” da cidade de Taquari a engolirem-no por duas vezes.Para vereador a lista é infinita: “Filha do Coronel Dureza da Ditadura”, “Tico-tico do Fubá Mofado”, “Marrecão da Lagoa”, “Professor Pardal”, e por aí vai…

Pois é, já não se fazem mais eleições como antigamente. Por isso, contentemo-nos em cantar a marchinha dos antigos carnavais:

Ca-ca-ca-ca-re-co
Cacareco, cacareco é o maior
Ca-ca-ca-ca-re-co
Cacareco de ninguém tem dó

Eu encontrei o Cacareco
Tomando chope com salsicha e rabanada
Mas lá no bloco da vitória ele gritava
Aqui, Gerarda, aqui, Gerarda.

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