“O teu corpo é luz, sedução
Poema divino cheio de esplendor
Teu sorriso prende, inebria, entontece…”
Composição: F.D.Marchetti / M.de Feraudy;
 (Versão Armando Louzada)

Indiferentes à distância, ao tempo transcorrido e às nossas escolhas, ressurgem, na antiga caderneta de endereços o teu nome e o número do telefone.

Minhas mãos, no entanto, estão rijas e não mais sabem o gesto da busca; desconhecem a procura. Emoção e razão empenham-se num insano conflito onde não há vencido ou vencedor, mas a amarga constatação de que se aniquilam mutuamente. E as saudades afloram aos pedaços como sentimentos dessangrados.

Tua voz, se ouvida fosse no silêncio da hora tardia, faria com que as nossas fantasias brotassem dos escaninhos da alma, liberando recordações: – nossa música em surdina e o vinho generoso que tornavam suave nossa embriaguez.

Naqueles tempos, o estado de graça justificava a minha preguiça em escrever. Tantas foram as vezes em que me pediste uma crônica. No entanto, eu te dizia, éramos muito mais do que uma crônica. Éramos a própria poesia. Sem pretendermos ser uma sinfonia, éramos uma canção: Fascinação, My Way, Je ne regrette rien, Un Homme et une Femme, ao tim-tim dos cálices, à luz de velas vermelhas ou Imagine em cada despedida. Esquecer? Como?

O estado de graça cedeu lugar a um imenso vazio, o estado de emergência. A crônica, antes cobrada, brotou: a reconciliação com a velha Olivetti*.

Foi uma reconciliação tímida, como o retorno de dois amantes após a longa separação. Eram tantas as coisas a serem ditas e as palavras atropelavam-se, histrionicamente, nas escadarias da imaginação.

O estado de graça onde ficou? Nas velas vermelhas que necessitam ser reacesas? Nos cálices do cabernet ou nas almofadas que ficaram pelo carpete à espera dos nossos corpos em cada anoitecer? Faz-se vital, então, que deixemos fluir todos os nossos anseios, as nossas angústias, nossos desejos; aniquilemos os receios, os medos; superemos aos ardis do orgulho e à tirania do amor-próprio descabido; articulemos as mãos e os braços, reaprendamos o gesto da busca; abramos o coração para as nossas verdades; neguemos o “você foi”; e dizermos, apenas, “eu estou aqui”?…

* Olivetti – marca de antiga máquina de datilografia

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