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Sogra: crocodilo ou serpente?

Chega ao fim, nesta sexta-feira, a novela “Viver a vida”. Dentre as várias temáticas recorrentes, sobressai-se a da personagem interpretada pela atriz Natália do Vale: Ingrid, a mãe extremamente dominadora, castradora, que tem os filhos como sua propriedade; esse gênero de mãe que vê na nora o inimigo maior que há de lhe roubar o “objeto” que, como mulher, lhe faltava e que tanto lutou para um dia “possuí-lo”. Essa mãe, que a psicologia também define como “boca de jacaré”, “boca de crocodilo”, e que simbolicamente pratica o canibalismo ao desejar “comer” o filho, ao contrário do que muitos pensam só existir na ficção, está inserida no nosso cotidiano.

É a nossa vizinha, a tia, a megera da sogra de uma amiga, ou, até mesmo, nossa própria mãe. Mas por que isso tudo acontece?

O psiquiatra francês, Jacques Lacan (1901/1956) esclarece que o “falo” (falus, falta) da mãe é completado com o nascimento do filho. O falo, aqui, não deve ser confundido com o pênis. A mãe deseja ter um filho, engravida; reconhece que este filho é um ser humano e ele chora porque está com fome e lhe dá o “Objeto seio” para a satisfação do bebê no prazer da oralidade (leite/alimento e a catexia da libido oral) passando o bebê da natureza (instinto-animal) para a cultura (pulsão-homem).

O bebê, antes dos 6 meses a 18 meses, não se vê como um corpo unificado. Ele se sente como um corpo fragmentado. Sua mãe/seio faz parte dele e ela (mãe, “boca do jacaré”) sente como se ele (filho/falo) fosse parte dela. Este desejo natural coloca o filho em uma situação de escolha definitiva: ou se torna independente pela falta da mãe se transferir para o filho e se tornar um “sujeito faltante” ou é engolido pela “boca de jacaré” da mãe e se torna um “altista” ou um doente mental, fragmentado sem unidade, dependente da mãe.

Na concepção lacaniana, a castração não se define somente pela “ameaça provocadora da angústia” do menino, nem pela constatação de uma falta na origem da “inveja do pênis” na menina; ela se define, fundamentalmente, pela “separação entre a mãe e a criança”. Segundo Lacan, a castração é o corte produzido por um ato que cinde e dissocia o vínculo imaginário e narcísico entre a mãe e o filho. A mãe, na qualidade de mulher, coloca seu filho no lugar imaginário, e o filho, por sua vez, identifica-se com esse lugar para preencher o desejo materno. O desejo da mãe, tal como o de toda mulher, é ter o falo.

Assim, a criança se identifica como sendo, ela mesma, esse falo- o mesmo falo que a mãe deseja desde que entrou no Édipo. Por isso a criança se aloja na parte faltosa do desejo insatisfeito do Outro materno. Assim se estabelece uma relação imaginária consolidada entre uma mãe que acredita ter o falo e o filho que acredita sê-lo. O ato castrador incide, portanto, não exclusivamente sobre a criança, como poderíamos enunciar com Freud, mas sobre o vínculo mãe-filho.

O agente dessa operação de corte é, em geral, o pai, que representa a lei da proibição do incesto. Ao lembrar à mãe que ela não pode reintegrar o filho em seu ventre, e ao lembrar ao filho que ele não pode possuir a mãe, o pai castra a mãe de qualquer pretensão de ser o falo para a mãe. A palavra paterna que encarna a lei simbólica consuma, portanto, uma castração dupla: castrar o Outro materno de ter o falo e castrar a criança de ser o falo.

Agora, se você, amiga e generosa leitora, não for essa mãe “boca de crocodilo”, mas se tiver como companheiro homem que seja filho de uma mulher como a “Ingrid”, dispense as teorias de Freud e Lacan. Acabe com a “jaravel*”, ou ela acaba com o seu casamento!

* “jaravel”: cruza de jararaca com cascavel.

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