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Surfistas são Beat

Por FRED D'OREY

Nós, surfistas, não somos hippies. Nunca fomos. Os hippies queriam mudar o mundo. Nós não queremos mudar nada. Nunca quisemos. Os hippies, no máximo, nos emprestaram por um tempo sua estética “largada”, sua trilha sonora alucinante, além de terem dado uma freada no consumismo do esporte. E se no final da década de 60 os cabelos cresceram e as guitarras ficaram mais distorcidas, nosso foco não deixou nunca de ser a vida em torno da onda perfeita. Se o espírito libertário da época pedia, microcosmos de sociedades alternativas pipocavam por toda parte, mas sempre perto da areia – Saquarema, Imbituba, Byron Bay (Austrália), Santa Cruz, North Shore, Bali. Nossa tribo pegou a parte superficial do movimento hippie e passou batida por ela sem nem olhar pra trás.

Alguns anos depois, foram os punks que tomaram de assalto o Ocidente. Ramones, Sex Pistols, Clash, Iggy Pop. Fúria, revolta, drogas pesadas, estilo de vida sujo. Os caras odiavam o sistema. Nesse sentido não podiam ser mais diferentes de nós. Não conseguíamos odiar nem aqueles que destroem nossas praias, quanto mais comprar uma briga desse tamanho! Nada de ódio ao estabelecimento. Muito pelo contrário. “Quem sabe esse tal de estabelecimento não me arruma um empreguinho 2ªs, 4ªs e 6ªs e deixa o resto da semana livre pra eu surfar?”, pensava o punk de boutique, enquanto ouvia “Social Distortion” no headphone.

Realmente, poucos universos conseguiam ser tão diferentes da vida à beira-mar quanto o grito da revolta “sub”urbana dos punks. E por isso durou tão pouco, apesar do casca-grossa Dadá Figueiredo ter sido seu maior expoente.

Tudo isso pra chegar ao movimento beat. O pai de todos. Os punks só puderam ser punks por causa dos hippies. E os hippies só puderam ser hippies por causa dos beats. Mas, ao contrário dos filhotes que gerou, os beats nem queriam converter nem crucificar ningém. Só queriam viver sua história. Na verdade, viver e contar suas histórias. Sem manual. Queriam sair pelo mundo e trilhar seus próprios caminhos.

Não queriam mais ser como seus pais. Nada de empregos sacais. Sem essa de churrasquinhos de fim de semana com os vizinhos. Nada de ficar pagando a vida inteira por aquela casa de subúrbio. Havia uma vida pulsando fora da avenida principal, uma música maravilhosa emanava dos guetos. Blues. Jazz. Coisa de preto. Poetas, músicos, intelectuais e vadios se encontravam nos esfumaçados bares e trocavam experiências. Eram párias. Inventavam uma nova maneira de viver. De dentro pra fora.

Mas surfistas também são beats. Aliás, sempre foram beats. Muito antes do termo beat ser cunhado, década de 50, já éramos beats. É da nossa essência. O surf é uma paixão tão avassaladora que vira bússola. Preenche tanto que deixa a gente meio burro. Meio pouco se lixando pro resto. Os surfistas foram os primeiros a cair fora. Foram os primeiros a enfrentar os pais. Foram os primeiros a seguir seus instintos. Não existia, nas décadas de 40, 50 e 60, essa de ficar na praia de bobeira esperando o próximo swell. Mas eles ficaram. E com isso inventaram todo o nosso estilo de vida.

Que é puro beatnik. Os expoentes da cultura beat foram Jack Kerouac, William Burroughs e Allen Ginsberg. Os do surf foram Mickey Dora, Greg Noll, Buzzy Trent e Peter Troy. Suas corajosas experiências poderiam ter rendido livros incríveis nos moldes de 'On the Road', com muita aventura e questionamento, mas poucas linhas foram escritas. Pra esses pioneiros era melhor viver intensamente do que escrever sobre viver intensamente.

E é assim até hoje.

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