Tolerância Zero
E, na entrevista, lembrou os vários métodos de conter a criminalidade, se jactado que, em curto prazo, a violência no Rio será drasticamente contida, invocando inclusive a Teoria das Janelas Quebradas. Pelo visto, o exemplo do delegado torrense, noticiada pelo Litoralmania, chegou às terras fluminense, despertando o digno secretário.
Diante da criminalidade que diariamente é veiculada, fico a indagar se existe mesmo uma fórmula mágica para reduzir os números da violência em prazo pequeno.
É inegável que há um sentimento mediando no povo de que a nossa justiça é inoperante ou ainda de que se vive no “país da impunidade”. Assim, surgem discursos de endurecimento penal, como a doutrina da Tolerância Zero, apoiada pela matriz ideológica – invocada pelo festejado secretário – hoje uma espécie de Anchieta moderno – da Teoria das Janelas Quebradas.
Não possuo aptidão ao estudo do crime, nem vocação para defensor da lei e da ordem. Em matéria de segurança pública só sei que existem delegacias, um presídio no bairro Partenon, dois ou três em Charqueadas, outro em Osório e que tenho, tanto quanto possível, que andar pelas ruas com redobrado cuidado, procurando evitar que algum larápio, mesmo aqueles do tipo mais velhaco, que a gente costuma chamar de “trombadinha” possa me tomar uns trocados do bolso.
E lembro Rudolph Giuliani – o nome, ironicamente, induz a um chefe mafioso – prefeito de Nova York, com perfil mussoliniano, que difundiu a idéia de que a Tolerância Zero seria a grande responsável pela diminuição dos índices de criminalidade.
Esse conceito americano sustenta que pequenos delitos podem levar à ocorrência de delitos maiores, por exemplo, se uma janela é quebrada e o poder público não está lá para reprimir ou reparar, significa que ninguém liga para o local e novos delitos ali poderão ocorrer, e que a ordem – obviamente – deve prevalecer sobre a desordem.
Fico pensando, com os meus botões, sobre o que seria a ordem? Seriam os sinais de trânsito sem os famigerados pedintes? Seriam as praças públicas sem mendigos e viciados em drogas, deixando-as livres apenas para os “cidadãos de bem”? Seriam os agentes públicos verticalmente sérios? Ou seria a presença ostensiva do exército com seus poderosos artefatos a dizer a um morador da favela o que ele pode ou não fazer?
Há quem sustente que a sujeira só é sujeira conforme o lugar em que se encontre. É o velho exemplo do sapato fora do lugar: se estiver no pé, tudo estará em ordem; se estiver em cima de uma mesa, por mais limpo que esteja, estará em um ambiente de desordem. Assim, talvez a solução das mazelas da nossa segurança pública seria jogar os desabrigados, drogados, pedintes e afins para lugares onde não os enxerguemos. Dessa forma, conseguiríamos estabelecer a ordem?
A cidade de Nova York – esquecem-se os adeptos da teoria – conseguiu com esta estratégia, um orçamento bilionário para a polícia local, investimento pesado em inteligência policial e diversas políticas públicas. Não estaria aí a razão do seu “sucesso”?
O absurdo – essa foi a impressão que me passou o secretário carioca – é tratar um assunto de extrema complexidade e importância para a sociedade como se falasse de insetos que se espalham por uma plantação e que, portanto, devem ser pulverizados, como se existissem os bons e os maus, os desejáveis e os indesejáveis, dentro de um conceito maniqueísta e fantasioso da realidade.