Turismo no Litoral Norte: é preciso ter consciência de valores

Muita gente se pergunta o porquê de o Litoral Norte Gaúcho não ter ainda conseguido desenvolver o turismo na região. Muitas são as explicações. Elas vão desde o processo de povoamento luso-açoriano até a completa falta de políticas públicas organizadas e integradas.

O povoamento do espaço geográfico litorâneo por açorianos e portugueses pode explicar parte do problema, mas não é o fator principal, se é que há razão nessa ideia; há muitas pequenas comunidades de outras etnias, como a de alemães, italianos e poloneses, que igualmente nunca desenvolveram atividade turística organizada no Litoral Norte.

A minha participação em palestras e atividade culturais em outras áreas do país, como a grande São Paulo e a pequena Domingos Martins, no Espírito Santo, tem-me mostrado que o fator principal para o desenvolvimento do turismo é a organização dos meios culturais e o intercâmbio entre os mesmos, aliados a participação ativa da comunidade interessada. Seja na metrópole paulista ou na pequena cidade das montanhas capixabas, onde o orçamento não é maior do que muitas cidades litorâneas, os projetos turísticos passam por projetos culturais integrados, que vão muito além de suas regiões de origem, despertam consciência de valores e promovem o desenvolvimento social.

Para que haja turismo é preciso se preparar, ter estrutura básica e saber receber. Outro grande problema litorâneo. Apesar de algumas cidades terem desenvolvido o turismo durante o período de veraneio, a falta de estrutura e de um planejamento para o crescimento de cidades como Tramandaí e Capão da Canoa é preocupante. O turista é o melhor marketing de uma cidade turística. Ruas limpas, boa sinalização e placas indicativas de pontos turísticos, os tão falados projetos de urbanização, são essenciais para quem está a passeio e, no entanto, parecem passar despercebidos por administradores públicos e pela comunidade geral. Impera ainda a ideia geral de que a cidade é de responsabilidade do poder público e do partido do momento. Raros são os exemplos onde a comunidade se organiza, mobilizando-se em prol de projetos que visam à melhoria da cidade independente do administrador.

A maioria dos museus e casas de cultura no Litoral permanece fechada no final de semana, dias em que o turista deveria ter acesso facilitado a esses lugares. Aliás, o próprio patrimônio histórico litorâneo encontra-se em rápido processo de deterioração. Poucos são os monumentos ou casas históricas que podem ser visitadas. Nesse quesito Santo Antônio da Patrulha leva vantagem sobre os outros municípios, apesar de nenhuma rota turística ter se criado ainda.

Além do patrimônio histórico, o turismo ecológico ou ambiental, onde o Litoral poderia ser líder, afinal é dono de um dos maiores complexos lagunares do mundo integrando a Serra à planície costeira, é ainda menos aproveitado. As trilhas dos antigos tropeiros do século 19 e 20, o caminho dos barcos a vapor, que tanto progresso trouxeram a região na década de 1940, não são mais aproveitados apesar da farta beleza natural que compõe essas rotas.

Grande parte de nossos eventos é criado para a população nativa. E também é divulgado somente para ela. A divulgação de eventos e atividades não pode estar focada no próprio meio. Persiste no Litoral Norte a ideia de que a divulgação de determinado evento nas rádios ou jornais locais sejam suficientes para o sucesso do mesmo. Ora, isto é um grande engano, e sobre o qual se debruçam todas as cidades litorâneas. Uma cidade turística não vende suas atividades para os moradores, mas para os turistas.

E para que a divulgação ocorra, seja ela de forma escrita, radiofônica ou mesmo através da propaganda televisiva, é necessário organização e coordenação. A maioria dos eventos no Litoral tem sua divulgação na mídia local entre os 15 ou 20 dias anteriores a realização dos mesmos; raríssimos são os casos em que é possível saber a programação de um evento ou atividade com três meses de antecedência. Esse prazo, no entanto, é necessário para que o turista tenha tempo de receber a informação, procurar mais informações e finalmente se programar para a atividade. Cidades turísticas têm sua programação fixa, outro fator importante, divulgada de seis meses a um ano antes do evento. Não raro há sites próprios para cada evento, o que não existe no Litoral Norte.

Para que isso mude é necessária a criação de consciência de valor e atuação crítica da comunidade envolvida, sem partidarismos. É notório no Litoral Norte que a maioria dos movimentos culturais e ações turísticas sejam efêmeros, associados à administração do período. Vários são os casos onde eventos acabaram, tiveram seus locais e datas alteradas para não serem vinculados a administração anterior.

Outra “política” litorânea é o favorecimento de “ícones da cidade”, que não entanto não são de conhecimento do público visitante. As últimas feiras de livro em Osório (2009 e 2010), por exemplo, contaram com patronos que sequer haviam publicado livros. Se por um lado homenagearam pessoas queridas na cidade, em nada contribuíram para a divulgação do evento fora dela. Em certa ocasião, interrogado que fui por uma personalidade estadual sobre a possibilidade de leitura de um livro escrito pelo patrono osoriense, tive o infeliz privilégio de informar ao meu interlocutor que não poderia indicar leitura alguma, pois nada havia produzido o mencionado “escritor”.

Esse tipo de comportamento em nada beneficia a cidade, mesmo que para muitos o “escritor” merecesse ser homenageado. Ou seja, um evento que poderia de alguma forma atrair turistas foi pensado, produzido e realizado para a comunidade local, um erro gigantesco de estratégia para quem necessita atrair turistas.

São essas políticas mal planejadas e com visão de alcance limitada os principais fatores que dificultam o desenvolvimento turístico no Litoral Norte. Seria interessante que a comunidade litorânea fosse ativa, responsável e lutasse por um Litoral melhor, desenvolvido e que num futuro próximo, colhedor dos frutos de uma atividade turística consciente, benéfica a todos.

Texto originalmente publicado na Revista Doispontos

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