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Um escritor de peso

“No início da década de 1950, José Saramago já não era um nome totalmente desconhecido na cena literária portuguesa. Aos trinta anos, o futuro vencedor do prêmio Nobel publicara um romance – Terra do pecado (1947) – e alguns de seus contos haviam saído em jornais e revistas de Lisboa, às vezes assinados com o pseudônimo “Honorato”. Saramago, ex-serralheiro mecânico e então um modesto funcionário da previdência social, também possuía diversos poemas e peças de teatro entre seus inéditos.

Até 1953, o escritor iniciaria a redação de mais quatro romances, que ficaram inacabados. Em 5 de janeiro daquele ano “Honorato” finalizava o datiloscrito de um livro de mais de trezentas páginas. O novo romance, em seguida encaminhado para publicação a uma editora lisboeta por intermédio de um amigo jornalista, acabaria esquecido no fundo de uma gaveta. O original nunca foi devolvido ao seu autor, que também não recebera resposta alguma. Na década de 1980, o já consagrado José Saramago era contactado pela mesma editora para publicar Claraboia. A mágoa pela falta de resposta na juventude levou-o a declarar que não desejaria ver o romance editado em vida, deixando para seus herdeiros a decisão sobre o que fazer com o livro. Após seu desaparecimento, as inquestionáveis qualidades do romance, construído com perfeito domínio do espaço narrativo, justificam plenamente a opção de trazê-lo a público.”

O texto acima, reproduzido da primeira “orelha”, é a apresentação de Claraboia, livro cuja leitura findei ontem à noite. O precioso romance aborda o pequeno, porém rico universo de personagens que gravitam nas vizinhanças um prédio de apartamentos em Lisboa. Com a morte de seu autor, o escritor português José Saramago, morto em junho de 2010, e com a publicação da obra somente no ano de 2011, devidamente autorizada pelos herdeiros do escritor, tem-se, sobretudo, o conhecimento de que o “esquecimento” e o engavetamento dos originais de autores ainda desconhecidos por parte dos editores não é fato novo.
É óbvio que editoras não são instituições de filantropia. O que se poderia, isto sim, exigir daquelas seria a acurada leitura pelo seu departamento editorial dos originais sem que se conhecesse a autoria.

Assim fosse, As Esganadas jamais seria editado. Trata-se de um romance policial tendo como cenário as ruas do Rio de Janeiro, durante o Estado Novo, onde jovens obesas são vítimas de misteriosos e intrigantes assassinatos cuja mise-en-scène está diretamente ligada aos prazeres da gastronomia. Um texto nada inovador, repleto de clichês literários, inverossimilhanças, situações extremamente forçadas, narrativas paralelas que em nada acrescentam à trama principal, excessiva, constrangedora e desnecessária demonstração de erudição do autor, vez que esse atributo é sobejamente conhecido do grande público.

Não obstante, o romance As Esganadas, em razão do nome do autor, foi publicado e fartamente distribuído ao mercado livreiro. Trata-se de José Eugênio Soares, ou, simplesmente, Jô Soares.
Incontestavelmente, um escritor de “peso”!

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