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Há um duende que habita em mim – Sérgio Agra

HÁ UM DUENDE QUE HABITA EM MIM

Os amigos, os verdadeiros, que me dissecam qual mapa aberto à sua frente sabem que trago em mim um moleque e irrequieto duende, um bruxinho, um gnomo, um goblin, provocadores, cultores e idólatras de férteis polêmicas.

São eles que, álacres e zombeteiros, me despertam em meio à madrugada, como agora o fizeram – faltando sete minutos para a 1 hora deste domingo eleitoral nada cristão tampouco universal, como desenhara o Bruxo do Cosme Velho* – e me arrastam para os teclados do computador para que eu lhes escreva uma história.

Ao desavisado leitor necessário se faz que eles se apresentem.

Na maioria dos relatos, os duendes são retratados como pequenos espíritos esverdeados e travessos, que vivem em um universo paralelo, mas interferem nos destinos humanos. Quando são bem tratados, eles ajudam nas tarefas como a que ora me impõem, mas se ficam zangados podem aprontar das suas, azedando meu pudim de leite condensado ou inventando pesadelos que me fariam de igual sorte permanecer insone.

Em que pese a alacridade que lhes é característica percebo que por ora a contrariedade domina seus espíritos, como se tomassem para si o amargor do insulto de que eu fora alvo no dia anterior e exigissem o devido desagravo.

Mostrei-me relutante, afinal eu já havia expurgado o que a mim causara desconforto. “Não, isso não é certo!” – eu parecia ouvir-lhes bradar. “Te chamaram de – apesar de intelectual – velho, chato e cego!”.

Aqui fundamental se faz esclarecer e reafirmar meu posicionamento: – Sou um brasileiro que há muito tempo se “demitiu” da profissão Esperança, enojado com a política e com os políticos! Quando teço críticas não as profiro em desfavor dos partidos e políticos de direita e em benefício dos partidos e políticos da esquerda, e vice-e-versa. Condeno, incrimino, reprovo a política; a velha e a nova política, esta que nada mais é do que um feto com todas as disfunções patológicas da ascendente.

Tenho amigos dos mais diversos matizes político-ideológicos que leem e absorvem com inteligência, polidez e, até, divertimento, ainda que contestem as travessuras de meu irreverente duende. Divirto-me com ele e com as inofensivas polêmicas que provocamos.

Não existe esquerda raivosa ou direita do ódio. Existem, sim, seres que ante a democrática manifestação do contraditório às suas predileções ideológicas e/ou partidárias infringem os limites da livre expressão do pensamento, mandam às favas a donaire e o berço em que nasceram e cresceram, e partem, através de um chulo, apoplético e colérico áudio no Whatsapp ressaltando até, que pequenez!, o déficit visual de quem lhe divergiu.

Por cristã e caridosa leniência escuso identificar-lhe o nome ao mesmo tempo em que lhe deixo à vontade para me desativar da sua lista.

Meu duende parece dormitar sobre o sofá da biblioteca. Afinal – não se espantem meus caros amigos e minhas generosas leitoras, o teclado é preto e seus caracteres já se mostram esmaecidos ao meu déficit visual –, já são 2h43min.

*Bruxo do Cosme Velho – Epíteto de Machado de Assis

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