Houve uma vez tantos verões… – Sergio Agra

Sergio Agra

HOUVE UMA VEZ TANTOS VERÕES…

Capítulo IV da Série As Crônicas de Aleph

Não! Aleph não sabia da existência de Diego Kovlakoff, personagem de um conto de Eduardo Galeano, em O Livro dos Abraços. Sequer conhecia a obra de Galeano, ou de qualquer outro autor. Seria extremamente pretencioso e improvável exigir do guri com a idade de quatro anos que pelas mãos de seu pai vislumbrara o mar por vez primeira. A frase de encantamento que o pequeno Kovlakoff da obra de Galeano dissera ao pai ante a imensidão oceânica também poderia ser a de Aleph:— “Pai, me ajuda a olhar!”.

Nos anos mil novecentos e cinquenta, ainda que minúsculo, o então álacre e concorrido balneário sequer dava mostras de que algum dia, irremediavelmente, estacionaria no tempo — e que as gerações futuras das tradicionais famílias que até então lá veraneavam buscariam diferentes praias, novos destinos de férias —, até semelhar-se ao abandonado e descaído cemitério de uma cidade morta. Seu único hotel não era mais do que uma construção de madeira, de considerável tamanho, constituída por duas dezenas de dormitórios — os sanitários não apenas deles ficavam apartados como as duchas eram coletivas — e o frenético salão de refeições. Era exatamente aí, no entanto, que nas noites dos sábados, o espaço se transformava em pista de dança ou no improvisado palco para algum show ou esquete teatral para os quais aos hóspedes do hotel outros veranistas também se juntavam. Nos prazeres e nos entretenimentos Aleph — os primos, por pequenos, não se lhes era ainda possível compartilhar — via no pai o incansável parceiro. Os folguedos não se resumiam apenas aos jogos e brincadeiras com a imensa bola de borracha, forrada por um espesso e áspero tecido de lona com simétricos quadrados das cores mais diferentes: verde, amarelo, vermelho e azul. Ao final, ofegantes, protegidos sob os excêntricos para-sóis cravados nas areias e que agora não mais existem, o troféu pela exaltação aos exercícios físicos: o saboreio do picolé, invariavelmente de framboesa, anunciado pela estridente corneta do sorveteiro assentado sobre o selim de um mínúsculo e multicolorido carrinho tracionado por pedais comectados por uma correia besuntada de óleo lubrificante na maior das três rodas que o sustentavam. Após o jantar, o repouso reparador, recheado de venturosos sonhos para o dia seguinte e que não se deixava perturbar sob o incessante ataque dos mosquitos, verdadeiros Kamikazes que sequer a fumaça dos espirais de “Boa-Noite” repelia. O bucólico paraíso rodeado de imensas dunas que serviam de cenário aos passeios nos finais de tarde longe estava de imaginar que gradativamente se desvaneceria. Em que escaninhos da memória agora se encontram aqueles cômoros de areia, os jogos, as brincadeiras e os bailes do extinto hotel onde os pares esquecidos de tudo e exaltando os amores planavam ao som de um doce bolero? O lugar estaria praticamente fadado ao abandono ante o êxodo dos até então fieis veranistas. As casas que restaram do antigo balneário há muito aferrolharam definitivamente portas e janelas. Percebe-se agora, isto sim, a presença de invasores que delas fizeram o covil da criminalidade.

A casa que o pai de Aleph reconstruíra após o desmanche do velho chalé erguido em cima dos sonhos do sogro se encontra hoje entregue ao abandono entre o que restou das dunas daquela pequena praia na orla marítima.

E Aleph não mais tem o pai pra lhe ajudar a olhar…

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