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Joaquim Barbosa está de pijama – Por Jorge Vignoli

Jorge Alberto Vignoli
Jorge Alberto Vignoli

Franz Kafka soube magnificamente expressar a angústia humana perante o absurdo da existência, agravada pelas instituições sociais. “O Processo” é a obra fundamental de Kafka, embora “A Metamorfose” também questione de forma surreal – e magnífica – a razão existencial. Dizem que Kafka não era muito chegado ao trabalho formal, ao cumprimento de horário ou tudo àquilo que pudesse deixá-lo longe da literatura. Mas se derretia – e era outra qualidade do escritor – por uma saia feminina. Mas isso é outra história…

Em “O Processo” o personagem Josef K. é surpreendido em sua casa por dois guardas que o prendem e o levam para a prisão. Em princípio, o pobre Josef pensa tratar-se de uma caçoada dos seus colegas de trabalho, uma brincadeira de mau gosto, quem sabe, uma pilhéria no dia do seu aniversário. Contudo, a prisão não só se consuma, mas se mantém. Os dias passam, e o seu advogado não encontra processo algum, e Josef passa a viver o cárcere sem saber a razão pela qual está preso e sendo processado.

Há uma discussão acadêmica se o conteúdo da obra é uma crítica à burocracia do Estado ou se é uma crítica ao Judiciário. Creio que a ambos. Kafka foi anarquista num primeiro momento. Depois se aproximou do marxismo, o que certamente influenciou sua visão sobre o Estado. Mas também possuía formação em Direito, o que lhe dava embasamento à análise das leis. De qualquer forma, o cotidiano está aí para nos mostrar que, não raro, o Judiciário apanha um infausto, julga-o, condena-o e joga-o por anos no fundo de uma cela, sem que haja, no plano absoluto, qualquer culpa condenado.

Lembrei-me de Kafka e de “O Processo” quando saiu a primeira lista dos envolvidos da Lava-Jato. Antes, as notícias diziam que os políticos, em Brasília, estavam em rebuliço, tomados por um sentimento de angústia e expectativa. E eu me lembrava de um conceito comezinho: quem não deve, não teme.

Enfim, veio a primeira leva dos envolvidos, e logo em seguida a repercussão. Foi de comover a alma, e a me despertar um sentimento de piedade e vergonha ao ouvir a entrevista de um ex-deputado gaúcho, que será investigado, manifestando sua mais veemente surpresa e indignação, pois jamais – segundo disse – manteve qualquer relação com a Petrobras, e, principalmente, com as pessoas que participam da delação premiada. E o mesmo tom foi seguido pelos outros implicados: nada sabem, nada conhecem, são vítimas de uma incomensurável injustiça, imolados, em síntese, por ação de um juiz obstinado em incriminar políticos.

Um senador incluído na relação dos envolvidos, em nota, sustentou: “Estou limpo. Vou provar, mais uma vez, que sou inocente”. Só faltou completar: “duela a quien duela”.

O que ainda surpreende é o ar impudente de figuras surradas pela prática da dilapidação do dinheiro do povo. A Lava-Jato apurou bilhões em dinheiro desviados do cofre público. De início, mais de cinqüenta pessoas foram presas. Muitas continuam. Houve delações homologadas pelo Supremo Tribunal. Apesar de tudo, as dignas excelências envolvidas adjetivam as investigações como “armação”. Mas nem atribuir à força maquiavélica da oposição pode ser sustentado. Justamente, porque parlamentares também da oposição estão envolvidos.

No tormento ficcional de Josef K. não havia nenhum elemento de culpa que justificasse a sua prisão. Na dura e vergonhosa realidade da Lava-Jato há o correto – e devido – processo legal. Mas duvido que, mesmo assim, alguém seja punido. Afinal, Joaquim Barbosa está de pijama.

Jorge Alberto Vignoli – jorgealbertovignoli@gmail.com

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