Obediência à Hierarquia ou à Autoridade? – Dr. Sander Fridman

Dr. Sander Fridman é Doutor em Psiquiatria pelo IPUB/UFRJ. Atende Neuropsiquiatria, Psicanálise Cognitivista, Transtornos Sexuais e Relações Conjugais.

Hierarquia é melhor caracterizada como um conjunto de funções distintas, distribuídas por diferentes instâncias, instrumentos e pessoas, organizadas e integradas para resultarem em um todo funcional e conveniente.

O poder de mando, da tradição militar, não é uma boa tradução para o conceito de Hierarquia, pois negligencia os limites e deveres que acompanham tanto a responsabilidade de mando, como o dever de obediência.

Ou seja, quem manda o que não pode, obriga o comandado à forçosa desobediência à pessoa que manda, para que só então possa obedecer à regra instrumentaliza a todos – comandante e comandado.

Desde Nuremberg (1945-1949), formou-se um consenso entre os juristas da liberdade (vis-à-vis aos juízes do nazismo e do comunismo) de que o cumprimento do dever de obediência não exime o soldado das responsabilidades de agir em favor do que é certo e contrariamente ao que é errado. Não se aceita o erro e o crime em nome da obediência devida.

Comandantes e comandados são, portanto, antes de tudo, súditos da Lei. Policiais armados que obedecem a um comando ilegal e injusto contra uma vítima protegida pela lei, não agem como agentes da lei, mas, sim, como elementos de uma quadrilha de malfeitores, uma organização criminal, um bando articulado para delinquir, cometer crimes, violar direitos. Uma força paramilitar, mesmo que entranhada no seio da administração pública.

Este entendimento de Hierarquia face à Autoridade, representou um grande avanço rumo a uma sociedade livre, pois oferece uma ideologia, um limite, capaz de resistir aos projetos de poder de tiranetes recalcitrantes que volta e meia se revezam em todas as sociedades e organizações.

Desmandos de autoridades à revelia da lei necessitam ser desobedecidos. Esta desobediência não atenta contra a Hierarquia – ao contrário: protege a Hierarquia, na medida em que protege o “conjunto de funções distintas, distribuídas por diferentes instâncias, instrumentos e pessoas, organizadas e integradas para resultarem em um todo funcional e conveniente”, que é a natureza e a essência do estado democrático de direito.

As ações de instâncias e indivíduos à revelia da lei, mesmo que conduzida por “autoridades”, representam, elas mesmas, a verdadeira ruptura da Hierarquia, atentando contra o que a sociedade, através de seus representantes, estabeleceu como conveniente e legal, e precisa ser impedida, combatida, neutralizada.

A desobediência, neste caso específico, protege a Organização, a Pátria, o Estado, a Sociedade, o País e os valores primordiais de verdade, justiça e eficiência.

A prontidão para a obediência à autoridade precisa ser equilibrada e até subordinada pela prontidão de obediência à Hierarquia. E pela consciência de que, a obediência à autoridade, contrariamente à Hierarquia e às leis, equivale à cumplicidade criminosa no atentado ou golpe que a ilegalidade enseja.

* Dr. Sander Fridman – neuropsiquiatria, psicanálise cognitivista, psiquiatria forense.

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