Rotina Policial

Luís Rogério Carvalho de Lima,
Delegado de Polícia
rogerioc_lima@hotmail.com

Sexta-Feira, às 18.00 h, as portas de quatro Delegacias de diferentes cidades da Serra se fecharam para reabrir somente na quarta-feira, em razão do feriadão. Algumas continuarão funcionando com plantões permanentes e outras com sobreaviso.

Para todas elas há um único Delegado Plantonista, eu. Serão 108 horas em que estarei disponível para deliberar sobre as ocorrências mais relevantes que acontecerem nessas localidades. Para tanto, meu celular necessitará ficar ligado as 24 horas de cada dia, eu não poderei me ausentar da cidade de Canela sem avisar onde estarei e não poderei ir a lugar algum onde não haja sinal de telefone. Por óbvio, caso resolva participar de uma festa, jantar ou almoço, não poderei ingerir bebida alcoólica, pois se tiver que deslocar para alguma ocorrência não tenho motorista e preciso estar sóbrio.

No momento em que estou escrevendo, recém passadas 48 horas do plantão, já decidi sobre a lavratura de uma prisão em flagrante de dois assaltantes, fui comunicado e determinei providências sobre duas mortes sem assistência médica, sobre o que fazer com alguns agressores de mulheres e com elas mesmas e seus filhos pequenos, participei da abertura do Sonho de Natal onde se fazia presente uma equipe de sete Policiais Civis, tomei conhecimento e deliberei sobre possível assalto a empresário da região, recolhimento de veículos, e muito mais ainda terei que fazer no período restante. O telefone, não precisaria dizer, tocou várias vezes durante a madrugada.

Todo esse período não será remunerado com um centavo a mais em meu salário, já que não recebemos pagamento de horas extras. A compensação poderia vir em forma de folga, mas como tenho uma Delegacia sob minha responsabilidade no restante do tempo e não há quem me substitua, não posso me ausentar do trabalho, já que a criminalidade não espera que eu me restabeleça das noites insones e tampouco as vítimas podem esperar uma solução para os problemas que lhes afligem.  

Um simples cálculo demonstra que nas duas últimas semanas estarei de sobreaviso durante 12 dias, 24 horas por dia, o que somam 288 horas, ou 144 horas semanais, quando sou remunerado por quarenta horas/semana. Nesse período terei que tomar decisões e determinar providências sobre questões literalmente de vida ou morte, ou sobre a prisão e a liberdade das pessoas, sem receber um único centavo a mais por isso. Essa é a rotina de um Delegado de Polícia, não é algo extraordinário. O que foge ao comum é a remuneração, que é metade do que ganham as demais carreiras jurídicas que não precisam se submeter aos mesmos riscos e sacrifícios, nem  exceder sua carga horária de forma tão desumana.
 
Por fim, sou sujeito a algumas convocações a que, por força do ofício, não posso me recusar. Uma delas é para serviços extraordinário em operações de reforço no litoral ou fronteira, por trinta dias ou mais, com diárias de R$ 72,00, que não cobrem nem a hospedagem. Posso, por exemplo, ser convocado para serviços extraordinários, como apoio à prisão de uma quadrilha investigada por outras Delegacias ou Departamentos da PC, sem que seja computada  como hora extra a jornada excedente, diferentemente da iniciativa privada. E por aí vai.

Fiz esse breve apanhado apenas para que os leitores saibam por que os Delegados de Polícia estão se mobilizando por melhores salários e exigindo que o governo reconheça  o que o STF já considerou legal, ou seja, o tratamento isonômico com os Procuradores de Justiça. Estamos todos cansados do descaso com a carreira policial e iniciamos um movimento que não tem volta, enquanto não recebermos o que é justo pelo trabalho que prestamos. E para que reflitam todos quando ouvirem que nosso movimento é puramente por questão salarial e que não fazemos jus ao que reivindicamos.

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