Turquinho Assad

O bar era amplo, com várias mesas ocupando a maior parte do salão. Entrando-se pela porta da avenida se deparava, à esquerda, com um balcão auxiliar onde os garçons se abasteciam com os petiscos e bebidas que iam servir aos fregueses, junto às mesas. Ali também ficava uma grande chopeira, cujo líquido era conservado em barril de carvalho e passava, quando servido, por uma enorme serpentina coberta de gelo para o deleite dos bebedores. Mais ao fundo o balcão maior, onde Antônio, português dono da casa, ficava controlando o caixa e a atender a clientela em compras rápidas.

Os fregueses habituais eram os que, na verdade, ocupavam as mesas na maior parte tempo. A hora do movimento iniciava depois das quatro da tarde e se estendia até a madrugada. Aos poucos, a turma ia chegando, e o pessoal se acomodando nas suas mesas cativas. Havia a turma da política, do futebol e os que a tudo pareciam alheios. O “Pequeno Polegar”, cirurgião de fama e frequentador diário da mesa doze, certa vez, foi apanhado ao telefone dizendo à mulher que se encontrava no bloco cirúrgico e demoraria a chegar. Dado o recado, voltou à mesa e continuou a sorver o seu chope gelado. Em que ambiente terminou a noite, nunca se soube…

Nós frequentávamos também o bar. E foi de uma das mesas, através das portas envidraçadas, que notamos a menina passar pela primeira vez. Tinha um andar sensual, seguindo pela calçada oposta e sequer, naquele dia, olhou para dentro do bar. Ficamos inebriados com o fascínio arrebatador que desfilava diante dos nossos olhos. Quem seria aquela mulher belíssima? Achamos que fosse a filha do doutor Benigno, respeitado desembargador aposentado, que morava quase na frente ao bar, pois era no prédio do magistrado que ela sempre entrava e saia.

Pelo guia telefônico descobriu-se o número do telefone doutor Benigno. E foi o turquinho Assad, macilento e mais afoito, que certo dia ao vê-la entrar no prédio, esperou alguns minutos e, do telefone do bar, ligou… Mas ninguém respondia do outro lado da linha. Isso se repetiu por alguns dias, sempre que Assad a via entrar em casa. O que diria à menina, caso atendesse ao telefone, só o momento revelaria. Mas o telefone não respondia.  “Que diabos, essa menina é surda”, desligava Assad, visivelmente aborrecido. Não tardou e se soube o que ocorria. A bela da rua não era filha do doutor Benigno, mas do general Ambrósio, que morava no apartamento acima do magistrado, militar que alguns meses chegara à rua com família.

E ficávamos à tardinha a esperá-la. O bar era a referência, e a garota a esperança… Enfim, ela acabou por notar que era seguida por olhares ardentes e isso – parecia-nos – não a incomodava; ao contrário, a envaidecia.

Mas ninguém admitia alimentar qualquer arrebatamento à beldade – mesmo porque havia outras tantas que, com o mesmo lúbrico andar, embeveciam nossos olhos.

Apenas admirávamos uma adolescente, moradora da rua e filha de um general. O esperar da passagem da menina, no fundo, era muito mais uma brincadeira a dar algum tempero na roda do chope. E era que nem fosse uma desforra e enfretamento à vulnerabilidade do “sistema”: vocês “milicos”, hoje, podem quase tudo; excetua-se conter o frenesi uterino das suas filhas!

Foi num sábado que Assad sentado à mesa do bar, melancólico, olhar distante e marejado, a todos que chegavam repetia a notícia: “definitivamente terminou o nosso fetiche; há pouco vi a filha do general entrando numa limusine, vestida de branco, véu e uma longa grinalda. Vocês precisavam assistir o ritual, e o general de casaca – parecendo um pinguim – era só alegria! A minha deusa neste instante está casando em alguma Igreja. Agora, o bar perdeu a graça. Vou passar a beber no “Dom Francesco”, na outra quadra. Lá não tem porta de vidro”.

Naquela noite – muitos assistiram –, Assad tomou o maior porre de toda a sua vida…

Comentários

Comentários